Andar a ver estrelas

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Ora boas tardes, como estão, que não vos faltem sombras frescas para melhor fruírem das tardes de verão. E esses dias e noites de festa, aldeias, vilas e cidades cheias de movimento, animação, comida, bom convívio. Uma alegria. Eu que estou numa terra sub-tropical, onde a humidade anda meses a fio acima dos 80, muitas vezes nos 97, 98%, e o calor se mistura com uma massa de ar húmido onde não há sombra que lhe faça frente. Sol ou sombra, o mesmo sufoco, só o ar condicionado para nos trazer redenção. A minha vida pela sombra bem fresca de uma árvore ou de um pátio de xisto. E se não for demais que venha acompanhada de uma manta onde me possa estirar para uma boa sesta. Mas atenção que também por aí estive. E desfrutei de tudo isso um pouco. Pouco tempo, mas preciosíssimo. Encontrar quem não se via há muito, ver como é que os castanheiros estão de ouriços, ir à lenha, até javali regado a vinho caseiro e concertinas com toda a aldeia sentada à mesa. Não tem preço. Mas o que mais guardo e do que mais sinto falta sabem do que é? Pois sim, do céu. Do céu trasmontano. De manhã à noite é de uma pessoa andar sempre de cabeça no ar. Esse céu de verão de um azul sempre vivo, com um fulgor laranja quase fogo ao amanhecer, com os vários tons roseados ao fim da tarde, é indescritível. E a estrela boieira ou do pastor a iniciar as hostes ainda antes do dia findar e depois todo aquele espectro de estrelas ali mesmo por cima de nós, as constelações todas definidas, desde as ursas à cassiopeia… É deslumbrante. E o luar, claro, a iluminar as noites. Não há luar como o de Janeiro mas o de Agosto dá-lhe pelo rosto. Enfim, desculpem a maçada, são coisas de quem só tem disso uma vez por ano, de outra forma, nem damos tanta importância a esses sublimes pormenores sob os quais vivemos todos os dias. Outra coisa de que gostei particularmente nesta época estival em que o tempo pede para isso foram as caminhadas. Ainda aqui há meses falava de serões e sedentarismo. Qual quê. No Verão acaba a janta, dá-se uma lavadela à loiça e é ver toda a gente a sair para caminhar. Juntam-se os grupos, às vezes por bairros, os que se despacham primeiro vão chamar os outros à porta, uns mais novos outros mais velhos e aí vão eles. Um dia seguem ladeira acima o outro dia mudam o percurso e vão costanilha abaixo, uns mais rápido em ritmo acelerado - uma espécie de profissionais da caminhada que levam os tempos e as distâncias muito a sério, são os que normalmente vão muito adiantados, depois param, viram-se para trás e dizem “Oh, eles andam sempre tão devagar”. Depois esperam um nadinha pelos outros mas ainda antes deles se juntarem “oupa” voltam a arrancar para diante. E os detrás mais pelo convívio, por norma mais velhos, com as pernas e as articulações mais pesadas e o passo mais demorado pelas conversas, a contarem uma história que se lhes passou na juventude a cada um dos locais por onde passam, com o casaquito pelas costas. Às vezes cruzam-se uns grupos com os outros em direcções opostas. Muito bom! Aproveitar enquanto não vem o frio e toda a gente se torna a fechar em casa. E apanhando esta onda das caminhadas têm-se organizado muita coisa, são voltas, percursos, desde passeios matinais com o pretexto de visitar montes e moinhos a rotas nocturnas a recriar os passos dos contrabandistas mas sem os fardos às costas nem os carabineiros à perna. Há os que disparam e só querem saber de chegar ao fim o mais ligeiro que conseguem e há os que vão apreciando o passeio e a companhia dos parceiros. Profissionais e amadores das caminhadas e dos caminhos. E tudo isto, por norma, a culminar num belo repasto no ponto de chegada e numa camioneta que traz todos de volta à casa de partida. Saúde, convívio, cultura… e barriga cheia. Que mais podem querer. Sim senhor, são iniciativas bonitas de se ver. Pessoalmente prefiro as da noite pela fresca, na desportiva, porque andar a ver estrelas, essas estrelas, é coisa que não tem igual. Um abraço!

Manuel João Pires