Amendoeiras e amêndoas

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Não tarda muito e a publicidade anuncia excursões ao rincão das amendoeiras em flor, os excursionistas podem fixar imagens magníficas de muros de xisto, de terrenos escalavrados de amendoeiras em flor, podendo depois reviver o texto de Sofia sobre a lenda que lhes concedo a graça de alegrarem os olhos da princesa muçulmana, ou aprofundarem a emoção pictórica olhando e perscrutando o fascinante quadro de Van Gogh, intitulado ramos de amendoeira em flor.
A flor da árvore chamada – formosa – nas línguas semita e síria, daí derivando Almendra em latim, e amêndoa origem de topónimos onde se fixou há séculos, existindo no território português o povoado (despovoado) Almendra ou não fosse situada naquele terrunho entre Douro e Côa que a História da quarta classe do antigamente escrita pelo Sr. Tomé de Barros explica o modo da sua integração em Portugal.
Segundo os documentos a amendoeira terá nascido na Pérsia há cinco mil anos, outros documentos atribuem aos Fenícios a sua proliferação pelo Mediterrâneo, apesar de noutros livros mencionarem o nome do frenético e inditoso (morreu cedo) Alexandre Magno como indutor da sua expansão.
Naquelas paragens pouco populosas do Médio-Oriente a árvore para lá das vinculações económicas – frutos e cascas enquanto combustível – a amendoeira no referente simbólico judaico representa o desconhecido e daí chamar-se luz, tendo saído de uma delas saiu o ramo transformado em ramo que nas mãos de Anrón indicou o caminho para a Terra Prometida ao povo judeu a seguir à morte de Moisés.
Os egípcios acaudelados recamavam os corpos com óleo de amêndoas doces, os pobres quando conseguiam trincar os apetecíveis miolos regozijavam o palato e saciavam os estômagos famintos, por isso mesmo diziam ser a árvore de tirar fomes.
Seria estranho não encontrarmos referências às amêndoas e sua belíssimas flores, o leitor por uns momentos procure as ditas nótulas e enriquecerá os seus conhecimentos na matéria, nesta crónica prefiro falar no greco-romano Dioscórides, este botânico, médico e farmacêutico deixou-nos frutuosa e famosa obra muito estudada e editada até ao século XVIII, cuja leitura recomento e onde alude às amêndoas doces e às amargas.
O pai da farmacognosia refere serem as amêndoas doces logo gostosas para comer, no tocante à medicina apenas atribui qualidades ao seu óleo no alívio das dores nos rins. Já as amargas misturadas com mel são remédio contra as mordeduras de cão, moídas e incorporadas em vinho empregam-se contra as dores nos rins, e animem-se sulfurosos bebedores de vinho; comam cinco ou seis amêndoas amargas antes de comerem e beberem, ficam a salvo da embriaguez. Anote-se que os patrícios romanos na dispensavam o seu óleo junto das banheiras a fim de tonificarem o corpo utilizando-o nas massagens.
Os muçulmanos trouxeram a árvore para a Península Ibérica, daí viajou até à América Latina, os jesuítas introduziram-na Califórnia (a maior produtora mundial), de relevo as produções no Chile e Argentina.
E por cá? Por cá acompanhamos o progresso no vai vem do mimetismo, se consultarmos os receituários gastronómicos de Espanha, Itália e Portugal retemos poucas diferenças, nos licores a mesma coisa, idem aspas para feiras, festivais, festins, almoços e ceias. Ali arroz com amêndoas, aqui amêndoas com arroz, ao meio bolos e pudins de arroz e amêndoas, vira o disco e toca o mesmo, dependendo o rolar do disco da boa ou má colheita, do tempo brumoso ou soalheiro, da mais ou menos alegria no manter o figurino polvilhando-o de rodriguinhos a fingir novidade.
Ora, a árvore por si só justifica apurado e substancioso programa cultural onde a caça aos monumentos naturais de sua representação estejam presentes, bem como o refinamento culinário, Hipócrates demonstrou que o acto de fazer comida é uma criação cultural, além dos elementos enunciados por Dioscórides e discípulos onde na Idade Média surge um médico, matemático, filósofo e teólogo conhecido como tendo sido o Papa XXI, ou mais tarde (séc. XVI) o também médico e filósofo Amato Lusitano (João Rodrigues) por si só dão (pano para mangas) enaltecer e promover o fruto que pode ser consumido no domínio de várias cozeduras, ainda cru ou torrado.
Se a Natureza não se travestir, Fevereiro quente traz o Diabo no ventre, ou um qualquer furacão dispa os ramos floridos, iremos ver a «neve» que secou as lágrimas da princesa muçulmana, ter à nossa disposição as usuais formulações culinárias e doceiras, num anunciar de no próximo ano há mais …do mesmo.
Seria estultícia pegada continuar neste registo, entendi cumprir o meu dever de cidadão, agora vou ouvir madrigais Cláudio Monteverdi e ler poesia onde as amendoeiras são enaltecidas e cantadas como merecem.
Estudem os clássicos, pelo menos façam favor de os ler, os decisores políticos além de ganharem massa crítica, ganham conhecimentos suficientes para engendrarem programas culturais de outro alcance. Valeu!
Armando Fernandes
PS. O recém-falecido jornalista e escritor Baptista Bastos acusava jocosamente um político português contemporâneo de abusar da amêndoa amarga. O BB preferia whisky.

Armando Fernandes