Turismo no Nordeste: sede ou delegação do Douro?

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Ter, 09/01/2007 - 10:02


A Região de Turismo do Nordeste Transmontano (RTNT) vive um período de incerteza, apesar de ter inaugurado uma nova sede há escassos três dias.

A nova Lei-Quadro vai reestruturar o sector e, actualmente, discute-se a designação da futura agência regional, que resultará da fusão das Regiões de Turismo do Douro Sul, Alto Tâmega, Nordeste Transmontano e Marão.
A localização da sede deste novo organismo ainda não está decidida, tal como as delegações e o nome do responsável que coordenará a Agência Regional de Turismo do Douro. Esta é a designação que, para já, consta da proposta do Governo (ver mapa), apesar da discordância de autarcas e da própria Comissão Regional de Turismo do Nordeste Transmontano.

Jornal NORDESTE (JN): Qual poderá ser o futuro da RTNT, face à nova Lei-Quadro que está a ser ultimada pelo Governo?
Júlio Meirinhos (JM) – Um dos grandes méritos do processo de reestruturação das Regiões de Turismo, actualmente em curso em Portugal, tem assentado particularmente numa boa gestão interna da informação disponível. Melhor dizendo, não tem havido fugas desnecessárias e antecipadas de informação que inquinem e compliquem o processo. O que podemos dizer é que a nova Lei-Quadro, além de prever a reestruturação das Regiões de Turismo, propondo a fusão das actuais 19 Regiões em apenas 10, prevê igualmente a criação de Delegações Regionais de Turismo.
As competências e atribuições destas Delegações deveram estar definidas nos estatutos pelos quais se irão reger as novas Regiões. Estes estatutos serão elaborados por uma Comissão Instaladora. Será ainda esta Comissão Instaladora que vai definir estatutariamente qual a localidade que acolherá a sede das novas Regiões.
A nova Lei-Quadro prevê ainda no seu Artigo 20º:“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as regiões, juntas e zonas de turismo existentes são extintas na data de entrada em vigor do presente diploma; 2 – As regiões, juntas e zonas de turismo permanecem em actividade até à assunção de funções das direcções das agências regionais de turismo a que se refere o artigo 23º”.

JN - A proposta do Governo em torno da concentração da RTNT, Tâmega, Marão e Douro Sul numa agência de turismo designada “Douro” não agrada a utarcas e membros de Assembleias Municipais. Após analisar esta proposta, a Comissão Regional de Turismo do Nordeste Transmontano sugeriu alterações aos Governo?
JM – No dia 29 de Novembro 2006, data da última reunião da Comissão Regional de Turismo do Nordeste Transmontano, foi decidido enviar ao Governo a seguinte deliberação: Todos os Municípios, bem como todas as instituições que integram a Comissão Regional de Turismo do Nordeste Transmontano, repudiam com veemência o desaparecimento da designação Trás-os-Montes face às perspectivas de alteração na actual reorganização das Regiões de Turismo.
Foi ainda sublinhado que esta é uma região com uma identidade bem definida, decantada e afirmada dos pontos de vista natural, histórico, cultural e portanto turístico, e não pode agora, de forma alguma, desaparecer dos mapas de ordenamento turístico, sob pena de uma perda fatal.
Propôs-se a designação Trás-os-Montes e Douro ou, em último caso Douro e Trás-os-Montes. Este ponto é inegociável e caso não seja tido na devida linha de conta, todos os municípios da Região de Turismo do Nordeste Transmontano, se prontificam para abandonar o processo negocial, não ficando disponíveis para integrar posteriormente qualquer Assembleia de novas Regiões que venham a ser constituídas.
De resto, a nova Lei-Quadro não se assume como uma proposta acabada. O Governo abriu um espaço de diálogo que deverá culminar com a integração de todas as propostas consideradas pertinentes. No caso concreto das designações, cremos que tudo está ainda em aberto.

JN - A RTNT ganhou uma nova sede no passado sábado. Estão assim reunidas as condições físicas para Bragança acolher a sede da futura agência de turismo do Douro, ou do Douro e Trás-os-Montes, conforme a designação que vier a ser aprovada?
JM – Depois da inauguração da nova sede da RTNT, é mais que verdade que temos todas as condições e mais algumas para poder acolher a sede da nova Região de Turismo que sair da reorganização das Regiões de Turismo actualmente em curso, mas vai ser necessário que todas as forças vivas da região trabalhem para garantir tão importante desiderato. De qualquer forma a nova Lei-Quadro estabelece no seu Artigo 7º: “1 – A sede das agências regionais de turismo será fixada nos respectivos estatutos; 2 - A sede de cada agência regional de turismo pode ser deslocada para outra localidade da sua área de competência territorial, por deliberação do órgão competente; 3 - Os estatutos podem prever a existência de delegações e de postos de turismo em quaisquer localidades da área de competência territorial das agências regionais de turismo, devendo definir o correspondente processo de criação e organização.”

JN - Consegue ver-se a desempenhar o cargo de presidente dessa Agência de Turismo?
JM – Como é sabido de toda a gente, a minha vida foi toda ela dedicada à causa pública: quatro mandatos de Presidente da Câmara, Secretário-Geral do Leal Senado de Macau, Juiz Presidente do Tribunal de Contas e Administrativo de Macau, Deputado da Assembleia da República, Governador Civil de Bragança e agora Presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano, entre outros cargos. Consciente de todas as dificuldades e privações, a causa pública é ainda hoje para mim uma opção de vida que abraço de livre e convicta vontade. Quanto à Presidência da nova Região de Turismo que vier a desenhar-se, só o tempo o poderá dizer. Não estou a pensar especificamente nisso, porque por agora e enquanto durar, é na Presidência da Região de Turismo do Nordeste Transmontano que tenho que afirmar as minhas energias e preocupações. E o futuro!? Só a Deus pertence.

JN - Os operadores turísticos do Nordeste Transmontano têm sabido aproveitar o enorme fluxo de turistas que afluem ao Douro ou estão de costas voltadas para este destino?
JM – Por várias razões, entre as quais a classificação patrimonial da UNESCO e a navegabilidade do rio, o Douro Vinhateiro assume-se como uma área de forte desenvolvimento e incremento turístico em Portugal. É verdade que os operadores do Nordeste ainda não têm capacidade para acolher tão elevada quantidade de turistas e é também verdade que não foi encontrada forma para prolongar mais para o interior parte desse tão importante fluxo turístico.
Por um lado, a condição “sine-qua-none” das acessibilidades dita contra nós a sua dura lei, e por outro também é preciso explicar que o turismo do Douro é organizado por agentes exteriores à região e que por isso é gerido de forma muito contornada e fechada: quem compra um pacote turístico para o Douro sabe já o que o espera, não lhe sendo deixado qualquer espaço para escapadelas e descobertas complementares. Os transmontanos são frequentemente levados a acreditar que o remédio para os nossos males se resolve com macro investimentos vindos de fora, mas enganam-se. Reparem na EDP e outros que tais, em que vem tudo de fora e vai tudo para fora. É preferível nós fazermos vários investimentos à nossa dimensão e medida, que possam ser feitos por empresas daqui e que induzam riqueza sustentável na região.

JN - Os autarcas da região apostam na imagem dos seus concelhos para deixar boa impressão a todos os que visitam o Nordeste?
JM – Eu já fui autarca e estou bem colocado para perceber o muito que se tem feito, sobretudo na área das infra-estruturas básicas, recolha de lixo e embelezamento urbano. Em Miranda do Douro compreendi muitos anos antes, sem que ninguém o tivesse ainda almejado, a importância estratégica que tinha trazer massivamente para uma pequena cidade do interior o manancial de turistas que havia ali mesmo ao lado. Hoje o essencial das preocupações e investimentos municipais canalizam-se exclusivamente para o alcatrão e outras obras em betão, que frequentemente ficam vazias e sem serventias práticas para o verdadeiro desenvolvimento sustentado dos nossos concelhos. A política da capelinha, em detrimento de atitudes concertadas, também não tem ajudado muito a construir uma ideia forte de região e destino turístico consolidado. Vale-nos que a nossa qualidade ambiental constitui por ela só a marca indelével que fica em todos os turistas que nos visitam.

JN - Que balanço faz destes meses de mandato?
JM – Apesar de já termos aprovado o novo Orçamento e Grandes Opções do Plano para 2007, elaborado um programa de objectivos e propostas de acção para o mandato 2006-2010, participado em várias feiras e eventos de turismo, no Festival Nacional de Gastronomia de Santarém e numa operação de promoção do Nordeste Transmontano em três dos mais conceituados casinos do Algarve, o principal das nossas energias foram empregues em duas frentes para nós fundamentais: a operacionalidade da nova sede e o saneamento do problema gravíssimo que herdamos em termos financeiros. Com grande empenho de todos os funcionários e técnicos da RTNT, alguns amigos, eu e o Vice-Presidente, foram feitas todas as mudanças – toneladas de cartões, arrumos e decoração, exclusivamente à custa do nosso trabalho, sem ter feito apelo a nenhuma empresa da especialidade. Quanto ao saneamento das nossas finanças, controlamos religiosamente gastos e despesas, elaboramos e apresentamos um plano rigoroso e sério à tutela, de forma a abrir canais e estabelecer plataformas sérias de resolução dos constrangimentos existentes.

JN - A situação financeira da RTNT já está normalizada?
JM – Graças ao nosso trabalho de afinco e empenho diário, podemos dizer que o gravíssimo e pesado problema financeiro que herdamos, está hoje identificado, quantificado e circunscrito. A instituição da tutela está devidamente alertada e em tempo útil, estamos convictos, produzirá resoluções compatíveis. De qualquer forma queremos aqui deixar um sinal de tranquilidade aos nossos credores e fornecedores, assegurando-lhe plena honradez nos compromissos que a instituição RTNT assumiu.

JN - Actualmente, Trás-os-Montes é um verdadeiro destino turístico, ou ainda está muito longe disso?
JM10 – Do ponto de vista promocional, o Norte de Portugal conta com quatro marcas destinos-turísticos: Porto, Minho, Douro e Trás-os-Montes. Mas, o facto de existirem, não tem bastado para a sua plena afirmação. Trás-os-Montes é uma “ideia promocional turística” que, devido à inexistência de instituições que materializem a sua consistência territorial, tem vindo a perder muita força, embora no subconsciente dos turistas, ainda se desenhe como uma região associada directamente ao imaginário das origens da nação, dos nossos antepassados, afirmando-se como a Região que possui em Portugal, a maior qualidade ambiental e as mais elevadas potencialidades paisagísticas. Está claro que se não houver vontade, nem ninguém que pegue na ideia Trás-os-Montes, ela acabará por ser substituída pelas ideias Douro e Nordeste.

JN - Para quando um pacote turístico que permita aos turistas visitar a região e, em 8-10 dias conhecer os principais motivos de interesse?
JM – Por enquanto a região ainda está muito vocacionada para receber turistas por curtos períodos de tempo, sobretudo as “escapadinhas” de fim-de-semana. Estamos no entanto a trabalhar para que possam emergir empresas turísticas que ofereçam um leque variado de locais a visitar. Também os profissionais do turismo deverão organizar-se em associações que dinamizem estadias partilhadas entre várias instâncias turísticas.

JN - Os turistas que nos visitam têm diversas actividades ao dispor ou morrem de tédio por não ter nada para fazer, além de conhecer a gastronomia e desfrutar das paisagens?
JM – Está estudado que a primeira motivação que empurra os turistas para Trás-os-Montes é a calma, a segurança e a qualidade ambiental e paisagística. Se repararmos no turismo de “sol e praia” os turistas podem ficar a esturricar ao sol durante quinze dias e não procuram mais nada. Se as pessoas vêm para o Nordeste à procura de calma é um pouco contraditório oferecer-lhes confusão. Existem no entanto várias instâncias turísticas que estão agora a equipar-se com SPAs(Sanum Per Acqua - saúde pela água), há percursos e rotas que se implementam, estando-se também a pensar em oferecer ao turista uma informação que o ajude a tirar melhor proveito das festas e eventos de cariz regional e tradicional.

JN - O Turismo Rural ainda é um filão por explorar?
JM – No que respeita nomeadamente ao turismo interno de interior, as motivações que movem os citadinos a escolher os destinos turísticos rurais, prendem-se sobretudo com a busca de uma certa identidade territorial, mais ou menos romântica, com a afirmação de algo snob de um certo ecologismo e etnologismo.
Tal como o Êxodo Rural se afirmou como um fenómeno social demográfico durável, fazendo desertificar o mundo rural e engrossar as cidades até à obesidade mórbida, também as novas tendências comportamentais na escolha dos destinos turísticos das sociedades urbanas, parecem cada vez mais afirma-se como fenómeno social estruturante e duradouro. Cabe a nós, mundo rural, desenvolver as capacidades e infra-estruturas que levem à maximização do aproveitamento económico que induz esta nova procura turística.
Explorar o filão do turismo rural é agora o momento e continuará a ser ainda durante longos anos. Veja-se o caso da última passagem de ano: tivéssemos nós três vezes mais de infraestruturais que aquilo que temos e tudo se enchia.