Ter, 01/10/2024 - 11:14
Cerca de 20 trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Bragança (SCMB) manifestaram-se, na semana passada, na quarta-feira, em frente à instituição, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN), para exigirem o “cumprimento da legislação laboral”. Ou seja, segundo o sindicato, desde o início do ano, “os trabalhadores da SCMB estão subjugados ao despotismo implantado pela Mesa Administrativa, que tomou posse em Janeiro”, e que assume a postura do “quero, posso e mando”. Nesta medida, conforme esclareceu ainda o sindicato, dado o passivo da santa casa, que ronda, hoje em dia, os cinco milhões de euros, há funcionários que já foram e vão ser trocados de posto de trabalho, em áreas onde sejam necessários, evitando que haja contratações. Segundo o STFPSN, há ainda alterações ao horário de trabalho “dum dia para o outro” e instruções para trabalhadores “executarem tarefas para as quais não foram contratados”, pressionando-os para “assegurarem” o trabalho de outros, que, “entretanto, não viram os seus contratos renovados”.
Ambiente “péssimo”
Maria de Jesus é recepcionista. Fez questão de marcar presença na concentração há frente da instituição onde trabalha há mais de 20 anos porque alega que a instituição quer que passe a desempenhar outras funções. “Recusei-me a trabalhar um fim-de- -semana porque tenho graves problemas de saúde. Então, logo a seguir, segunda-feira à tarde, recebi uma carta com a mudança de categoria, para passar para a acção directa” esclareceu, dizendo que não pode estar nessas funções porque tem “problemas de saúde”, comprovados com “relatórios médicos”. Maria de Jesus, que diz que não vai aceitar, de forma nenhuma, esta troca, assinalou ainda que “a Mesa Administrativa faz vários tipos de ameaças” e que o ambiente “é péssimo”. “Alguns trabalhadores têm um certo receio”, esclareceu.
Trabalhar sob “ameaça”
Paula Veiga é auxiliar de acção médica de primeira e diz que tem o posto de trabalho em “risco”. “Tive um acidente de trabalho e durante a baixa recebi uma chamada, por parte da directora, que, neste momento, já não o é, que saiu desse cargo, a dizer que tinha que de me apresentar no dia 1 de Março na outra valência, a unidade de cuidados continuados, quando eu, há seis anos, por incompatibilidade com a directora técnica dessa valência, pedi mudança”, contou, esclarecendo que a SCMB quer que volte, assim, para a unidade onde já trabalhou há seis anos. A funcionária, que foi da unidade de cuidados continuados para o Centro de Educação Especial de Bragança não quer regressar aonde já esteve e por isso tem, neste momento, um “processo” a decorrer. “Estou a lutar pelos meus direitos e pelos dos meus colegas, porque não sou a única, infelizmente, nesta situação. Tenho mais colegas em risco de perderem os seus postos de trabalho e a trabalharem, constantemente, sob ameaça. É que não é uma, nem duas, nem três, é constantemente sob ameaças”, esclareceu Paula Veiga. Segundo esclareceu ainda a funcionária da santa casa, desde Janeiro que há um clima “um bocado medonho” na SCMB. “Eu acho que nem quando foi o tempo do Covid tivemos tantos medos e tantos receios. É pior trabalhar neste ambiente. Se reclamamos manda-nos ir aos recursos humanos para fazermos as contas e para nos irmos embora”, terminou. Trabalho aumentou Maria Alexandrina Domingos trabalha na acção directa. Não foi mudada de posto e, para já, não será, mas aponta outros problemas. “Desde que esta Mesa Administrativa entrou que o trabalho duplicou. Cada vez que um idoso entra para a santa casa ele está mais dependente de nós. Não é como antigamente, que as pessoas vinham para a misericórdia e se valiam por si sós, praticamente. Ou seja, agora não é assim e cada vez somos menos pessoas nas equipas”, explicou a funcionária, que disse ainda que lamenta que a administração queira vários funcionários a “fazer todas as funções”. “Aqui é só é obrigações, direitos não há nenhuns. Com esta mesa não temos direitos”, terminou, afirmando que “há ameaças constantes de despedimentos”.
Passivo de 5 milhões “não pode justificar ataque aos trabalhadores”
Conforme Jorge Araújo, assessor da direcção do STFPSN, o sindicato está “atento às queixas apresentadas pelos trabalhadores” e, por isso, reuniu, em Fevereiro, com o provedor da SCMB, Duarte Fernandes, abordando o que o sindicato apelida de “incumprimentos” na fixação e alteração de horários de trabalho e alegada falta de condições laborais. Mas, segundo explicou, o resumo dessa reunião é simples: “a SCMB tem um passivo enorme e é necessário fazer alguns ajustes”. Desde aí, alegadamente, apesar de o sindicato ter referido que os trabalhadores tinham “disponibilidade” para “sanar as questões”, não hou mais conversas ou reuniões. “O passivo que existe é um passivo que já vem crescendo e não pode justificar por si só o ataque aos trabalhadores, com ameaças e alterações de posto de trabalho”, explicou, frisando que “dá quase a ideia que pretendem que os trabalhadores se chateiem e se vão embora”. Segundo Jorge Araújo “há trabalhadores, por exemplo, guardas rondistas a quem é solicitado que conduzam viaturas, quando há trabalhadores habilitados para o que fazer na misericórdia”. “Como é que a misericórdia irá funcionar se já se bate com alguma falta de pessoal?”, questionou o assessor do sindicato. Questionado sobre o facto de alguns trabalhadores terem deixado de desempenhar determinada função para passar a cumprir outra, mas aceitando essa mesma troca, com agrado, como a santa casa, noutra ocasião, já clarificou a este jornal, Jorge Araújo disse que “não é bem isso que se passa”. “Aqui estamos a ver uma imposição relativamente a determinados trabalhadores e os trabalhadores estão contratados para determinada profissão, com determinado conteúdo funcional, para o qual tiveram formação, e unilateralmente é-lhes é comunicado que têm de mudar de funções. Temos a situação de uma recepcionista, que lhe foi comunicado que ou aceitava ir trabalhar para o lar, a cuidar dos idosos, ou então que lhe iriam extinguir o posto de trabalho”, explicou. Não podendo falar pelos trabalhadores não sindicalizados, Jorge Araújo diz que há conhecimento de contratos de trabalho a termo certo que não foram renovados e relativamente a despedimentos haverá “dois processos iniciados na extinção de postos de trabalho”. Uma coisa é certa, segundo Jorge Araújo, se nada mudar, estão previstas mais manifestações pois não se compreende como, por exemplo, num lar, “para 80 utentes, há duas ajudantes” e quer-se, ainda assim, “optar por rescisões de contratos” e “cansá-los na tentativa de que se despeçam”.
SCMB determinada em vencer desafios
Contactámos o provedor da SCMB, Duarte Soares, que disse que preferia não prestar declarações para não alimentar mais a questão. Remeteu, por isso, esclarecimentos para uma nota de imprensa que a instituição fez chegar aos órgãos de comunicação. No comunicado, a propósito das mudanças que os trabalhadores se queixam, lê-se que “no exercício das competências legais e estatutárias que lhe estão conferidas, a Mesa Administrativa procurou gerir os recursos humanos que prestam actividade profissional na instituição em conformidade com a lei e com os regulamentos aplicáveis, com sensibilidade para as suas necessidades, as quais procurou acomodar na medida do possível, e tendo sempre presente a salvaguarda dos interesses da Santa Casa da Misericórdia”. Segundo o comunicado, “apesar das habituais e normais resistências à mudança”, nomeadamente quando esta implica a “adopção de medidas de redução de custos de funcionamento”, a Mesa Administrativa tem contado com a “solidariedade, o apoio e a compreensão”, de um número “significativo” de Irmãos, funcionários e fornecedores. Sendo que “a pandemia de COVID-19 e o acentuado crescimento da inflação, ao longo dos últimos anos, representaram desafios importantes para o trabalho social desenvolvido pela Santa Casa da Misericórdia”, a Mesa Administrativa “está absolutamente empenhada e determinada em vencer os referidos desafios”, o que “implicará a redução da despesa corrente”. Assim, será necessário responder às necessidades sociais do concelho, mas “com meios e recursos mais modestos”. Quanto ao comunicado divulgado pelo sindicado, que deu origem à manifestação, “pretende cumprir uma função de desestabilização do funcionamento da Santa Casa da Misericórdia de Bragança” e é “sustentado num conjunto de afirmações sem adesão à realidade e que não deixarão de merecer resposta em sede judicial”.