“Temos o vício de Bragança”

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Ter, 05/09/2006 - 14:20


Trata os portugueses por irmãos e é alcalde de Puebla de Sanabria desde 1991, eleito pelo Partido Socialista Espanhol (PSOE).

José Fernández Blanco está em sintonia com a Câmara Municipal de Bragança em matéria de acessibilidades, pois reivindica uma paragem do comboio de Alta Velocidade naquela vila e uma ligação rápida a Bragança como forma de reforçar o relacionamento entre o Noroeste de Zamora e o Nordeste Transmontano.
O governo de Espanha, tal como a comunidade autonómica de Castilla e Léon, nada garantem, mas José Fernández Blanco não desiste, “pois é preciso fazer uma estrada que nos permita chegar a Bragança em meia hora”.

Jornal NORDESTE (JN) - Há alguma garantia da parte do governo espanhol quanto à paragem do comboio de Alta Velocidade em Puebla de Sanabria?
José Fernández Blanco (JFB) – Bem, aquilo que sabemos é que o comboio de Alta Velocidade vai ser uma realidade. Apenas há algumas dúvidas quanto a prazos de execução e, até, de traçado. Estas considero-as algo maliciosas porque, para o comboio ligar a Galiza a Madrid, terá de atravessar a Puebla de Sanabria e Zamora, obrigatoriamente.
Neste momento, está em fase de adjudicação o troço Medina del Campo até Lubián, para depois se avançar com o projecto da ligação a Ourense. O comboio vai passar rápido na nossa zona, mas isso não chega. Precisamos duma paragem em Puebla de Sanabria que nos permita chegar rapidamente às grandes cidades.
Da parte do governo espanhol temos a garantia que o assunto está a ser estudado, mas não está nada desenhado nem me disseram que aqui se vai fazer uma estação. Não nos disseram que sim, mas, quando não nos dizem que não, já é um passo importante. Às vezes reivindicas obras e dizem-te logo que não, o que não acontecido neste caso.

JN – Na sua opinião, as autoridades portuguesas também estão empenhadas neste assunto?
JFB – Sim. Para que a paragem venha a ser uma realidade é muito importante todo o esforço que se está a fazer a partir de Portugal, em particular de Bragança, porque precisamos de mostrar que a zona de influência duma eventual paragem na Puebla é, também, todo o Nordeste Transmontano.
Nesta matéria, argumentamos também que em Bragança existe um aeródromo bem equipado que precisamos de utilizar. Por isso, a nossa ideia é convencer o nosso governo e a comunidade autonómica de Castilla e Léon a criar um eixo intermodal de transportes que una estas zonas de Portugal e Espanha pela via aérea, terrestre e ferroviária.
Neste assunto, o presidente da Câmara Municipal de Bragança tem tido um papel muito importante e ele dirá o mesmo de mim. Somos os que mais acreditamos no desenvolvimento e os mais empenhados em querer ver estes projectos concretizados, só não sei se os outros nos acompanham…

JN – Mas para isso é necessária uma estrada rápida entre Bragança e Puebla de Sanabria…
JFB – Sim, é fundamental. Deste lado promovemos cada vez mais Bragança e o Parque Natural de Montesinho às gentes que passam pela Puebla e pelo lago. Só que é muito difícil explicar às pessoas que, para chegarem a Bragança, demoram 1 hora por uma estrada que só tem 42 quilómetros, mas muitas curvas.
Esta ligação não é nenhum capricho de duas povoações. É indispensável do ponto de vista da saída de Bragança para a Europa, via A52, e da nossa ligação ao Porto, via IP4.
Temos de nos abraçar para caminhar juntos num mapa europeu, através de projectos conjuntos que nos tragam desenvolvimento.
Este Noroeste não é só o Noroeste de Zamora, mas toda a parte portuguesa do Nordeste Transmontano.

JN – E da parte da Junta de Castilla e Léon, há vontade para fazer uma via rápida até à fronteira do Portelo?
JFB – Julgo que Junta de Castilla e Léon tem estado sempre muito adormecida nesta matéria. Num encontro com o presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte [de Portugal], o presidente da Junta de Castilla e Léon reconheceu a importância desta ligação, mas ele quando visita o presidente do governo espanhol nunca fala desta estrada. Nunca!
Parece-me que se vê esta estrada como concorrente da estrada de Quintanilha-Alcanices-Zamora, mas isto não se pode ver na perspectiva “ou faço esta ou aquela”. Têm de ser feitas as duas, porque ambas são cruciais. Não queremos competir com ninguém, nem com Zamora ou Alcanices. Precisamos é duma saída compatível com a outra [via Alcanices], que também há que fazer!

JN – Mas sabe que da parte do governo português foi anunciado, em Maio passado, que a ligação à fronteira do Portelo será feita através da beneficiação da EN 218-1, que dá acesso a Rio de Onor?
JFB – Não tinha conhecimento disso. O conceito de via rápida pode ser diferente em Portugal e Espanha, mas o certo é que não podemos continuar a demorar 1 hora para fazer 40 quilómetros.
Se me dizes que o governo português quer melhorar essa estrada nacional, terão de acautelar desvios nas localidades, nomeadamente em Varge e Rio de Onor, corrigir curvas e fazer faixas para pesados em alguns troços. Não sei, teria de ver o projecto para me pronunciar, mas nós, os autarcas, sabemos o que é racionalizar recursos financeiros. Se não se pode fazer uma via rápida por causa de normativos ambientais e condicionalismos económicos, temos que encontrar soluções para aproximar as nossas localidades.
O que não podemos manter é uma situação em que parece que estamos de costas voltadas. É uma hora de viagem e sujeitos a enjoar por causa das curvas e contra curvas.

JN – Na parte espanhola também existem condicionalismos de carácter ambiental, como em Portugal?
JFB – Creio que não. No nosso lado há menos limitações, pois La Culebra é uma reserva regional de caça e não uma figura tão restritiva como o Parque Natural de Montesinho. É a estrada de Rio Honor que delimita La Culebra e ao lado fica Calabor, que já não é reserva, de modo que a construção duma nova estrada enfrenta menos problemas ambientais no território espanhol.
De qualquer forma, façam uma via rápida ou façam uma via verde com paragens para observar a zona de La Culebra e o Parque Natural de Montesinho, o que é preciso é fazer uma estrada que nos permita chegar a Bragança em meia hora.

JN – Que projectos transfronteiriços estão em curso, envolvendo Puebla de Sanabria e o Nordeste Transmontano?
JFB – Fizeram-se grandes obras em Bragança e Zamora, como museus, teatros e palácios de congressos, mas as pequenas localidades mais periféricas foram esquecidas. Também precisamos desses equipamentos aqui, embora à nossa escala, claro.
Penso que os fundos do INTERREG foram muito mal utilizados, porque se fizeram obras de grande envergadura co-financiadas em grandes centros urbanos que nada têm a ver com as zonas de fronteira, tais como Valladolid e Palencia.
Nesta fase final do INTERREG, em que já restam poucos fundos, conseguimos convencer o governo espanhol e português a criar um eixo de desenvolvimento turístico, histórico e comercial entre Vinhais, Puebla de Sanabria, Benavente e Vila ????????????.
Temos dois projectos em curso, que contemplam um albergue de juventude em Vila ????????????, centro interpretativo dos rios em Benavente, recuperação do castelo e criação de centro temático do lobo em Puebla de Sanábria e construção de um parque biológico em Vinhais. Nós vamos privilegiar o lobo, que tem na La Culebra a sua maior reserva de Espanha, e Vinhais vai apostar num parque ligado à fauna e flora, que está muito interessante.

JN – Qual o peso dos turistas transmontanos na actividade turística do Lago da Sanabria?
JFB – É muito grande e ainda poderia ser maior se as estradas fossem melhores. Daqui também está muita gente a procurar Bragança e o Parque Natural de Montesinho. Pessoalmente, vou assiduamente a Bragança, às vezes ao domingo e para tomar um café, onde encontro muitas pessoas conhecidas aqui de Espanha. Costumo dizer que temos o vício de Bragança, um vício muito saudável de visitar a cidade, do mesmo modo que muitos portugueses têm o vício de Puebla de Sanabria e do seu lago.