Qua, 03/01/2007 - 11:23
Remonta a épocas muito longínquas, a tradições celtas, com carácter iniciático, no princípio do solestício de Inverno, 25 de Dezembro. Este ano, em Sambade, cumpriu-se mais essa tradição.
Ali estavam raizeiros, não muito longe do adro da Igreja, para aquecer o convívio em tempo frio de Natal.
E à hora marcada pelo terminar da consoada, hora pressentida, ritualizada, aos poucos, lá se foram aproximando os Sambadenses. O frio gélido, que pairava por cima da aldeia, não os intimidou. Hoje, de todas as idades e de todos os sexos. Mais velhos que novos, mais rapazes que raparigas, mais homens que mulheres.
E, no convívio da noite lá se iam relatando episódios que caracterizavam a sociedade rural sambadense, de duas gerações anteriores. Os mais velhos não se cansavam de desfiar belas e substantivas proezas como aquela de erguer um secular vimeiro que lavrador dera para a fogueira, bem longe da aldeia, e que os rapazes puxaram pela parede acima, com altura superior a meia dúzia de metros. Depois de ajeitado no carro de bois, foi preciso puxar ao carro e trazer o monstro para o adro da igreja. Era preciso fazer ver ao povo que os rapazes eram fortes, de sangue na guelra e também mostrar ao lavrador que não se pode brincar com a gente nova. Se tinha dado o vimeiro só por dar, só para inglesver, ali tinha a resposta!
O carro de bois, na recolha de lenha para a fogueira, era puxado por mãos calejadas dos rapazes que, pela noite dentro, percorriam as ruas da aldeia, numa vozearia transbordante de alegria, própria da idade Ouvia-se, no escuro da noite, a melodia do chiar das rodas do carro de bois, acompanhada pela algazarra dos rapazes. E, apesar do comunitarismo da actividade, os bairros caprichavam quer na quantidade de lenha recolhida, quer no chiar mais estridente das rodas dos carros de bois. As espreitouras tinham que ser bem apertadas para que cada carro chiasse mais alto.
O aspecto iniciático verificava-se, quer na recolha da lenha, pela noite dentro, quer no convívio durante a noite, onde os mais novos não tinham lugar. Os anciãos, atentos a essa possível intromissão, escorraçaram os que ainda não haviam feito os 15 anos.
A roubada sabia melhor que a dada, diziam-nos . E ainda que era preciso guardar a fogueira, pois algumas velhinhas, carentes de lenha e cheias de frio, não se descuidava em roubar alguns dos melhores tições, ou mesmo o braseiro, em latos velhos.
As cenas de pancadaria e o atirar às pedradas eram cenas também muito frequentes. O excesso de vinho era quase sempre o responsável por estas cenas. Agora tudo é mais sereno, mais civilizado mais responsável.
Os tempos mudaram, embora o cenário desta fogueira acesa pudesse, de alguma forma, ser de uma cena do passado. Havia, no entanto, cambiantes bem diferentes: o carro de bois deu lugar ao tractor que, num abrir e fechar de olhos, tinha trazido para o centro da aldeia toda aquela lenha. A lenha, um bem precioso no passado, existe esquecida em qualquer lado. Os cafés substituíram as tabernas e as cenas de pancadaria são histórias do passado.
São tradições como estas que fazem a História dos povos, que definem a sua identidade. Urge transmitir às gerações vindouras estes pedaços de nós mesmos. Aos rapazes da minha terra, uma palavra de amizade e até de gratidão. Por um lado, permitiram-nos um recuo à infância; por outro, mantém viva a chama de uma cultura popular que tanto caracteriza Sambade.
Lourdes Graça