As razões da nossa interioridade

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Ter, 14/02/2006 - 17:58


Uma vez mais, à semelhança do que tem vindo a acontecer desde 1984, Portugal foi generosamente contemplado, pela União Europeia, com avultadas verbas no âmbito da política comunitária, cujo objectivo principal é promover a coesão social e económica dos estados membros, combatendo, desta forma, as assimetrias regionais neles existentes. 8, 8 milhões de euros por dia a entrarem no nosso país, até 2013, é, sem dúvida, um enorme desafio para quem tem a responsabilidade de os gerir.

Sem qualquer tipo de hesitação, a conclusão a que podemos chegar, nestes 22 anos de mendicidade subsidiária, é a de que o Projecto para um Portugal mais equilibrado, mais coeso e socialmente mais justo se revelou um verdadeiro fracasso. As zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como todo o litoral, têm sido as principais e quase exclusivas herdeiras destes tão apetecidos potes de moedas de ouro, contrariamente ao espírito por que se deve reger a atribuição de quaisquer fundos comunitários. É aí, pois, que se erguem os grandes e sumptuosos projectos nacionais; é aí que a grande fatia do bolo é distribuída.
Não temos, por isso, e perante a forma escandalosamente indigna como nós, transmontanos, nomeadamente os que povoam o distrito de Bragança, temos sido tratados, razões para crer que IV Quadro Comunitário de Apoio, no qual se inscrevem as verbas atrás referidas, perfazendo um total de vinte e dois mil quatrocentos e oitenta e quatro mil milhões de euros (mais troco, menos troco), se venha a constituir como um sério motivo se esperança. Ficamos, aliás como sempre aconteceu, entregues à nossa sorte, à espera que, das demagogas arengas discursivas dos políticos, possamos aproveitar furtivas e raras migalhas – nem sempre, convínhamos, aplicadas segundo os mais prementes critérios de prioridade - que os homens do leme deixam escapar por entre os dedos das mãos.
Outro motivo que, em minha opinião, tem contribuído para a estagnação e o isolamento deste distrito é a postura indisfarçavelmente egoísta de alguns dos autarcas; sendo que aquilo que os move não é o interesse colectivo, o interesse da região, mas a defesa da sua própria quinta, na incessante busca dum tipo de protagonismo que lhes possibilite catapultar para o “estrelato”.
Às escassas verbas dos Pidac’S que nos são atribuídas, ao inacreditável facto de sermos o único distrito do país que não tem sequer um metro de Auto-estrada, à não conclusão do IP4, à retirada e encerramento de um número considerável de importantes Serviços Públicos, a juntar a tantas outras razões que têm motivado o nosso descontentamento, o distrito de Bragança deve responder em uníssono, a uma só voz. Porque, se assim não for, e pensarmos em criar, como fez o autarca de Mirandela, enclaves nordestinos, a posição em torno de uma causa que devia ser de todos é inevitavelmente votada ao fracasso.
É facto indesmentível que o distrito de Bragança – cuja actividade produtiva se cinge ao sector primário – se caracteriza por ser uma região de fracos recursos económicos, porque, como se sabe, não havendo indústria, pouca riqueza se cria. Mas não é igualmente menos verdade que ela tem enormes potencialidades ao nível do turismo, tendo como principal motivo de atracção a gastronomia, aliada a certos produtos regionais, entre ao quais se destacam, pela excelência, o inigualável fumeiro, as melhores cerejas do mundo, as melhores castanhas, o melhor azeite, o vinho de altíssima qualidade, nomeadamente nos Concelhos que pertencem ao Douro Superior (Carrazeda , Freixo e Vila Flor), etc.
No entanto, por esta região estar coarctada nos movimentos, devido à não existência de uma aceitável rede viária que faça a ligação entre os vários Concelhos, e nos aproximem do resto do país e da Europa, como fórmula mágica capaz de assegurar os vários circuitos comerciais que se impõem, e por muito que os entendidos em geografia advoguem, com legitima vaidade, que a nosso favor joga uma privilegiada posição geo-estratégica, face a interessantes mercados europeus, a riqueza que por cá se produz não tem o impacto económico de harmonia com a inquestionável qualidade dos referidos produtos. O nosso eventual potencial económico esgota-se, salvo raras e honrosas excepções, na realização de exuberantes passerelles gastronómicas, que se realizam ao longo do ano, sob a temática de “Feira disto” e “Feira daquilo”, cuja principal virtude é promover e implementar interessantes e saudáveis espaços de convívio.
Como este distrito tem sido vítima permanente de descarada discriminação, e porque não concordamos com o argumento da centralidade para justificar a espoliação, nem da criação de mais – valias e benefícios sempre para os mesmos, seria sensato que os quem – de – direito bragançanos abdicassem do Campo de Treino dos Bombeiros – projecto noticiado no número anterior do Nordeste -, em favor de Vimioso. Defendo esta posição, não por pertencer biologicamente a este concelho, mas porque o mesmo, no contexto da interioridade a nível nacional, tem sido o mais penalizado com o fenómeno da desertificação.
Porque realismo está longe de ser sinónimo de pessimismo, entendo que para que o desenvolvimento deste interessante distrito possa ser uma realidade, será necessário recorrer, como se faz no desporto profissional, relativamente a jogadores e treinadores, à contratação dum Alberto João Jardim; numa versão, claro está, mais polida; certeza que só o método de clonagem é capaz de garantir.