Ratos e Homens

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Qua, 26/04/2006 - 10:54


Dia 1 de Abril, a estranha notícia anunciava a paralisação das obras num troço da estrada Outeiro – Vimioso, a fim de uma colónia de ratos e um bando de morcegos não serem incomodados. Incrédulo, liguei ao director deste jornal na esperança de a ruína da informação ser fruto de fantasia primaveril no dia das mentiras.

Mas ora, a nova era verdadeira. Segundo sei esta estrada reveste-se de grande importância estratégica em termos económicos para Vimioso, o qual vive uma meia-vida por mor de estrangulamentos vários, tendo sido o concelho que maior descida teve em 2005, no território nacional, em termos de poder de compra dos seus habitantes. Noutros tempos a protecção ambiental não suscitava muito interesse, os animais classificavam-se de acordo com as suas potencialidades em termos económicos, para comer e os outros. Apesar do enfado estampado em muitas caras, as instituições defensoras dos mais variados patrimónios têm conseguido êxitos palpáveis, conseguindo mobilizar a opinião pública na defesa de causas e objectivos importantes para a não delapidação da nossa herança natural. Esquecer os benefícios da sua actividade é claro sinal de ignorância, mas nem tudo são rosas no referente aos seus propósitos e atitudes. É exemplo disso mesmo, o troço desta estrada. Como o tem sido noutros casos, caricatos, de gargalhada, todos nos lembramos do gasto de centenas de milhares de contos devido à existência de umas lagartixas num local onde ia ser construída uma obra. Todos nos lembramos dos milhões de contos deitados fora na aquisição da famosa pedreira do “Galinha”. Entre os homens e os ratos, naturalmente, estou a favor dos primeiros, embora os segundos possam ser “ pequenos leirões, ternos e debéis” referidos pelo poeta grego Opiano no seu tratado sobre a caça e a pesca. O estimado Dr. Johnson afirmava: “ O tempo, com toda a sua celeridade, passa muito lentamente para quem tem como única ocupação observar-lhe a passagem”. A observação do sagaz autor de “The Idler” aplica-se na perfeição aos advogados dos ratos em detrimento dos homens. Bem sei, conversas de comadres, gargalhadas e gritadas hão-de vir a recordar-me da raridade dos roedores em causa, último bastião na Península, do apuro dos morcegos a enviarem mensagens TSF, apelidando-me de confesso e infecto materialista. Ando, há um ror de anos a defender, preservar e divulgar toda a casta de patrimónios, se mais não faço, é porque não posso. No entanto, fico estupefacto quando pelo instinto da ganhuça pseudo-ambiental, se coloca em causa a qualidade de vida de crianças, mulheres e homens a viverem em lugares recônditos e de difícil acesso. A palavra fundamentalista passou a ter conotações tremendas, por isso prefiro apelidar de fanatismo o modo de proceder dos defensores dos parentes do Jerry. Na aldeia dos prodígios, a Lídia Jorge que desculpe, a sempre lembrada Lagarelhos, quando os meninos continuavam a urinar na enxerga para além do razoável, as mães davam-lhe a comer ratos. Não me perguntem como os mesmos eram servidos, mas um parente meu terá ficado curado da incontinência, após ter sido objecto de tal tratamento. Nas minhas andanças pelo Mundo tenho provado todo o tipo de comidas, na China os cães são muito apreciados, noutras regiões os morcegos entram no caldeirão, embora existam uns especialistas em chucharem o sangue de outros animais a modo de vampiros. Não me alongo na descrição de hábitos alimentares de outros povos em tempo de folar, mas sempre lhes digo da afeição dos budistas cambojanos por determinada espécie de aranha peluda. Nessas paragens deliciei-me com leite de búfala, comi vermes de seda num molho espesso, caranguejos picantes e, como dizia uma importante personalidade, nestas ocasiões e nestas circunstâncias, o melhor é comer e fechar os olhos. Os adeptos dos ratos não se importam de condenar ao isolamento e ao ostracismo gente indefesa, talvez esteja na hora de irem até ao Cambodja e Vietname, as aranhas assim o exigem.

PS. O título desta crónica foi roubado a um importante escritor americano. Para que conste.