Ter, 05/12/2006 - 15:53
Umas querem ser património da humanidade, outras património da Unesco, outras disto, outras daquilo. Todas terão a sua razão e pedir não custa nada. O que custa é certificar como tal, aquilo o que se propõe sê-lo.
Pessoalmente acredito na boa vontade de todos quantos fazem esse esforço para apresentar seja o que for para ter acesso a uma espécie de marca registada, internacional ou mesmo localmente. De facto, não basta ter uma muralha antiga e querer que ela seja considerada património da humanidade. Não basta ter uma calçada romana para ela ter de ser um património universal. As pessoas esquecem-se que essas maravilhas da Antiguidade já são património e como tal deve ser preservado.
Mas para ser de facto património da Humanidade ou ter outra identificação análoga, terá forçosamente de concorrer com muitas outras propostas e terá de ser muito especial. Não basta o querer de alguém. É preciso muito mais. No entanto, o facto de ser assim difícil de conseguir essa certificação, internacional ou não, nada impede que não se continue à procura dela. As coisas devem é ser feitas com cuidado e com conhecimento. Eu lembro-me de há alguns anos atrás se ter proposto para património da humanidade o castelo e toda a cidadela, tendo-se feito para o efeito, o alindamento dos espaços ajardinados e dos suportes dos passeios interiores. O que aconteceu foi que esses trabalhos foram feitos por quem nada entendia do assunto e chegou-se ao ponto de fazer em cimento os ditos suportes dos passeios e os separadores dos jardins. Ora, como à data da construção do castelo não havia cimento, o projecto foi logo chumbado por não respeitar as regras fundamentais que é como quem diz, restaurar sim, mas de acordo com a verdade histórica.
Mas a euforia agora é de outra categoria. Depois de se ter certificado a alheira de Mirandela, a carne mirandesa, o fumeiro de Vinhais, as maçãs de Carrazeda de Ansiães e outras coisas que tais, tudo relacionado com a gastronomia, pretende-se agora certificar a Posta à Mirandesa. É verdade que é um prato regional bastante procurado. Todas as regiões têm o seu prato especial. Se formos à região do Barroso, também lá encontramos a Posta Barrosã ou a Costeleta à Barroso. Do mesmo modo se formos à Bairrada encontramos o Leitão à Bairrada. Até aqui não há problema nenhum e o que verificamos é que todas as regiões têm de facto os seus pratos regionais. Simplesmente isso. Tal como o vinho tem, regiões demarcadas. O problema existe, quanto a mim, é na exclusividade.
A falta de exclusividade retira imediatamente a veracidade das coisas, porque tal como conseguimos comer alheiras de Mirandela em Lisboa ou no Algarve, sem serem feitas em Mirandela, também conseguimos comer Posta Mirandesa no Porto ou em Valpaços ou leitão à Bairrada no Entroncamento ou em Bragança. Que gastronomia destas é a verdadeira? Possivelmente todas, porque o segredo está na confecção e ao sabermos como se faz, todos fazemos igual.
Mas mais grave do que isto é o facto de uma determinada marca registada não ser respeitada e acabarmos por encontrar maçãs de Carrazeda a serem vendidas como tal, no Porto ou em Santarém sem o serem, e bebermos vinho do Porto num qualquer local de Espanha, sem ser de facto, vinho do Porto. Isto é que contraria o tal certificado que se procura afincadamente.
Mas do mesmo modo que se fala de Confraria do vinho do Porto ou do vinho do Dão, também se quer falar de Confraria da Posta Mirandesa. Se tal for avante, será certamente uma das maiores confrarias do país, pois quem não gosta de comer uma boa Posta à Mirandesa? Então todos seremos confrades! Será que vale a pena tal pretensão? Afinal já todos gostamos desse naco de carne que, por si só, já é certificada, pese embora o facto de comermos muitas vezes Posta à Mirandesa com carne que nada tem a ver com a região! Tal como as alheiras, ou a posta é feita com carne mirandesa, ou então o que estamos a fomentar é a aldrabice. Desde séculos remotos que nas feiras sempre se serviu carne assada na brasa cujo tempero se resumia a umas pedritas de sal.
Na realidade, nada mais era preciso para se inteigar um cristão que com um bom copo de vinho e um naco de broa, se fazia novamente ao caminho.
Hoje porém, sendo os tempos um pouco diferentes, não deixamos de apreciar as mesmas iguarias, nem tão pouco deixamos de as encontrar em muitas feiras do país e desta região em particular. Quanto à Confraria da Posta, bem, ela terá muito que fazer e muito que comer! Não sei se me entendem!
Neste fim-de-semana, esteve entre nós o Presidente da República e até visitou alguns Concelhos com direito a exibirem as suas marcas registadas. Será que o fizeram? Será que o Presidente de todos os portugueses também comeu salpicão de Vinhais, alheira de Mirandela e Posta à Mirandesa, ou nem por isso?! Se calhar teve medo da contrafacção! Pois é aqui que entra a Confraria! Mas que bela Posta!