Quando a magia acontece

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Ter, 30/08/2005 - 15:01


Nasceu em Fontes de Transbaceiro, concelho de Bragança, em 1961. É mágico e actor, frequentando o 3º ano do curso de Animação e Produção Artística da Escola Superior de Educação. Conheça o perfil de Ramiro Pires, o conhecido Orimar Serip.

Jornal NORDESTE (JN) – Como se vivia em Fontes na década de 60?
Ramiro Pires (RP) – Eu vivi pouco tempo em Fontes. As recordações que tenho de lá são as coisas que me contaram. Fui para Angola aos dois anos. Passei a infância em Luanda, onde o tempo corre muito devagar. Parecia que o dia tem 48 horas e havia muito espaço para brincadeiras.

JN – Enquanto estudante do ensino secundário, sentiu que havia consciência política no meio estudantil de Bragança?
RP – Penso que havia algum receio, e hoje ainda há um bocado. Nessa altura notava-se ainda mais, porque o 25 de Abril ainda estava muito fresco e havia más recordações da ditadura.

JN – Desde essa altura que o bichinho da magia lhe rói as entranhas do ego. Como é que tudo começou?
RP – O bichinho começou ainda em Angola. Como era um bocado traquina, ia aos circos e havia os magos, como hoje já não se vê, porque as pessoas olhavam para eles e sentiam arrepios. Aquilo era mítico.
Havia o Circo Mariano e o Circo Universal que paravam à beira de minha casa. Muitas vezes ia para as caravanas espreitar os mágicos e ver quais eram os seus segredos. Via aparecer as pombas, os lenços e as flores e ficava muito curioso. O bichinho de fazer sonhar, de estar perante uma coisa que aparece com um toque de dedos, fez-me despertar para a magia.

JN – Além da magia, também é ventríloquo, dedica-se ao teatro, desenho, pintura e ainda veste a pele de palhaço. Porquê tantos caminhos?
RP – É um percurso um bocado confuso. Eram muitos caminhos a seguir, mas na altura consegui acarinha-los a todos. Quando era o teatro, era o teatro, e quando era a pintura, era a pintura, sempre a dar o meu melhor.
Hoje não tenho estofo para tantos caminhos e prefiro dedicar-me a um ou dois com calma.

JN – Um deles é a magia, não é?
RP – Neste momento é. Na pintura há alguns desenhos a carvão, mas neste momento só me dedico à magia.

JN – E o Zé Marinho?
RP – O Zé Marinho está a descansar, mas qualquer dia vou retomar, porque ele já está cansado de estar sentado no quarto onde guardo os aparatos mágicos e outras coisas ligadas aos espectáculos. Estou a pensar fazer uma perninha com ele para matar saudades e aplicar novas técnicas de ventríloquo que na altura não conhecia.

JN – Em 1998 ganhou o Prémio de Criatividade e Originalidade no Festival Internacional de Ilusionismo Mágico Valongo, que contou com a participação de mágicos reputados de todo o Mundo. Foi a justa recompensa pelo trabalho realizado ao longo da sua vida?
RP – Foi a primeira vez que concorri e o prémio deu-me um grande ânimo para continuar com o meu trabalho. Agora, é impossível desistir disto. É por isso que aconselho as pessoas a não desistirem do que querem.
Claro que agora não me vou deitar à sombra da bananeira. Vou continuar com o meu trabalho, dando sempre o meu melhor.

JN – Hoje, as pessoas já não têm aquela imagem mística do mágico?
RP – Não, hoje já não há essa ideia tão altiva do mágico. Nos espectáculos com crianças até faço por lhes dar o braço para que elas me toquem, para que vejam que o mágico é uma pessoa de carne e osso como elas. Essa ideia do mago inacessível e altivo desvaneceu, e ainda bem, porque as pessoas olham para o mágico doutra forma.

JN – Na magia já está tudo inventado e perdeu-se a sua essência com a realização dos grandes espectáculos, ou ainda há coisas a descobrir?
RP – A magia há-de ser sempre inventada. Se tenho uma ideia sobre uma coisa, tenho que inventar sempre alguma coisa para que os tais pozinhos mágicos resultem.
Penso que os grandes espectáculos não fizeram a magia perder a sua essência. O mágico, hoje, não tem aquela imagem de respeito de antigamente. É antes um artista, uma pessoa que vive para determinada arte.

JN – Tem levado essa arte um pouco por todo o País. Como é ser saltimbanco nos tempos modernos?
RP – Bem, hoje já não se anda a cavalo, mas de carro (risos). Já estamos mais próximos de tudo, mesmo ao nível da divulgação. Hoje já não se reúne as pessoas para ver um espectáculo como antigamente. A divulgação dos espectáculos é feita doutra maneira e as pessoas já sabem que, em tal dia, vai estar na terra o tal saltimbanco. A Internet também tem ajudado na divulgação, mas acho que ainda podemos estar mais perto.

JN – Quais são, para si, os maiores mágicos portugueses?
RP – Há vários. O Luís de Matos foi uma pessoa que também mudou a maneira de pensar das pessoas em relação aos mágicos. Aproveitou muito bem a oportunidade que lhe deram na televisão. Veio um pouco na onda do David Copperfield e fez com que a magia chegasse mais perto dos portugueses. Mas há outros, como David Sousa e o Mário Daniel, este transmontano, da Régua. No Porto há uma pessoa que deu uma postura muito vertical à magia, que é o Ivo, mais conhecido por Fredi Alland, que é um nome marcante. E, se me ponho a falar aqui de mágicos, também há o Orimar Serip…

JN – Bragança já teve uma grande tradição circense. Chegavam a instalar-se circos no Toural e no Trinta ao mesmo tempo. O que pensa da criação duma Escola de Circo em Bragança?
RP – Nunca tinha pensado nisso, mas é uma óptima ideia. Há aí jovens que sabem bem o que querem fazer, mas não sabem como. Era uma boa ideia para eles ocuparem os seus tempos livres e enveredarem por outros caminhos. Fica esta boa ideia no ar.

JN – Que cultura se faz por cá, ou não se faz?
RP – Acho que ainda é muito pouca. Havia falta de espaços e os que havia também não eram aproveitados. Agora já há bons locais e vamos esperar que apareçam mais coisas ao nível do teatro e música, que muita falta fazem numa cidade. Acho que os espaços que foram criados podem ir mais além, nomeadamente o Teatro Municipal, que deveria ter espectáculos com mais regularidade. Entendo que é difícil programar mais eventos, mas temos de ser todos a envolvermo-nos nessa tarefa.