Plano de ordenamento obrigatário chega ao Côa 24 anos depois e inclui Torre de Moncorvo

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Ter, 21/01/2020 - 10:33


A Fundação Côa Parque lançou o procedimento para a elaboração do Plano de Ordenamento do Parque Arqueológico do Vale do Côa.

O concelho de Torre de Moncorvo vai passar a integrar aquele território, juntando- -se a Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Meda, no distrito da Guarda. O presidente da Fundação, Bruno Navarro, explica que o plano é “um instrumento de gestão a que o parque está obrigado pela UNESCO desde 1996 e que até agora não foi realizado”. O objetivo é criar uma “zona de proteção” que inclua toda a área do parque e que “coloque a Fundação como um ator ativo para salvaguardar o património”. Navarro admite que o plano de ordenamento, “numa primeira fase, há de estar preparado até ao final de 2020”. O facto de os planos diretores municipais dos concelhos abrangidos estarem a ser revistos “vai tornar o trabalho muito mais rápido”. Para se perceber a importância deste instrumento de gestão do território do Côa, o presidente da Fundação dá um exemplo: “Neste momento, um projeto agrícola é submetido numa câmara municipal e depois quem tem de tomar uma decisão sobre a área protegida é a Direção Geral do Património. Esta, por cortesia, ouve a Fundação, sem que essa audição tenha qualquer efeito vinculativo”. Ora, com este plano de ordenamento, “a Fundação há de ter uma voz ativa nesse ordenamento e nessa salvaguarda”. Por outro lado, dado o panorama de alterações climáticas, o ordenamento também vai permitir estabelecer um plano de risco para o património, que torne possível a sua gestão, colocando-o a salvo de incêndios, cheias e erosão ou mesmo ação humana, como é o caso de atos de vandalismo. No âmbito deste processo, o concelho de Torre de Moncorvo vai passar a integrar o território do Parque Arqueológico do Vale do Côa. “Porque do outro lado do rio Douro também há gravuras”, justifica Bruno Navarro. Aquando das sondagens arqueológicas por causa da construção da barragem do Baixo Sabor, também foi encontrada muita arte móvel, portanto “a Fundação Côa Parque, em articulação com os municípios, decidiu incluir no património da região o território de Moncorvo”.

Gravuras e museu do Côa bateram recordes em 2019

O número de visitantes aos núcleos de gravuras no Parque Arqueológico do Vale do Côa, criado há cerca de 24 anos, e ao Museu do Côa, aberto há quase uma década, ultrapassou, em 2019, pela primeira vez, a barreira dos 50 mil. O afluxo gerou receitas de 360 mil euros, o que também é um recorde. Perante estes números, o presidente da Fundação Côa Parque, Bruno Navarro, não podia entrar mais satisfeito em 2020. “Conseguimos mais resultados do que aquilo que tínhamos previsto no início de 2019, o que faz com que, de receita própria, sejamos já o segundo maior financiador deste projeto”. O primeiro é o Estado português. Os 360 mil euros de bilheteira e da loja de recordações e produtos regionais motivam um sorriso aberto na hora de Bruno Navarro recordar que o plano estratégico da Fundação Côa Parque define “chegar a 2022 com cerca de meio milhão de euros de receita anual”. E por este andar, “basta manter o que se conseguiu até aqui”. Ou seja, “aumentar 50 mil euros a cada ano, que foi o que aconteceu nos dois últimos”. Bruno Navarro esclarece que “com meio milhão de euros o projeto do Côa não é autossustentável”, mas é a meta para “com recursos próprios poder satisfazer as obrigações com o pagamento de vencimentos”. Por outro lado, torna a Fundação Côa Parque “menos dependentes de qualquer alteração da conjuntura económica, política ou social”, que possa levar o Governo e os outros fundadores a cortar nas suas contribuições. O aumento das receitas está diretamente ligado ao crescimento do número de visitantes ao parque e ao museu, que que chegou aos 51.505 em 2019. O segundo semestre pesou nas contas finais – já que no primeiro passaram por lá 21.500 – também devido ao reforço de oito para 12 do número de guias, com a consequente maior capacidade para levar turistas às gravuras. À contabilidade do número de pessoas que presenciaram a arte do Paleolítico durante o ano de 2019, Bruno Navarro junta mais 70 mil, entre as que participaram em atividades educativas nas escolas e as que foram ver as exposições em Portugal e as realizadas na Coreia do Sul, em França e na Rússia. “Todas essas pessoas, de uma forma ou de outra, tomaram contacto com o Côa”, vinca. Navarro conclui que o Côa é um projeto cultural que passou por “fases mais auspiciosas e outras mais dramáticas”, mas hoje pode dizer que “está em consolidação, é mais dinâmico, desenvolve-se, as várias tutelas estão envolvidas na preservação do projeto, tem mais visitantes e receita própria”. 

Novos conteúdos para explicar melhor arte do Côa

O Museu do Côa entra em 2020 com novos conteúdos e mais formas de os visitantes interagirem com eles. Pretende-se explicar melhor a arte pré-histórica que é Património Mundial da UNESCO desde 1998. O presidente da Fundação Côa Parque explica que ao longo dos últimos 10 anos houve “novas descobertas e conhecimentos que se renovaram” e, por isso, “era necessário introduzi-los no discurso museológico, bem como a renovação do suporte tecnológico”. Bruno Navarro salienta que “muita da tecnologia também estava já obsoleta e não funcionava”. Houve momentos em que, por causa disso, “algumas salas deixaram de estar abertas e depois foram reabertas com soluções provisórias que não satisfaziam”. Agora, o objetivo é que as pessoas conheçam “não apenas o brilhantismo da arte pré-história do Paleolítico Superior, mas a região do Côa, no seu todo, incluindo os aspetos biológico e geológico”. E também se pretende que elas saibam que “aqueles senhores de há mais de 25 mil anos, que desenharam gravuras nas rochas de xisto, tinham uma vida normal como todos nós.” Por outro lado, segundo Navarro, a batalha do Côa dos anos de 1990, que levou à preservação das gravuras e à existência do museu, é homenageada numa exibição em vídeo com imagens de arquivo e narração do jornalista da TSF Fernando Alves.

Vandalismo contra gravuras pode dar prisão entre dois e oito anos

O mais grave atentado contra uma das rochas com arte rupestre, a mais emblemáticas do Parque Arqueológico do Vale do Côa, ocorreu em abril 2017. Na rocha número 2 do sítio de Piscos, famosa mundialmente pela representação de um homem fálico com mais de 15.000 anos, foram feitos uns rabiscos que representam uma bicicleta e um homem, bem como deixada a inscrição “Bik”. Entretanto, o Ministério Público da Guarda já deduziu acusação contra dois indivíduos de Torre de Moncorvo, na altura com 25 e 30 anos, que confessaram a autoria dos factos. De acordo com a página oficial da Procuradoria- -Geral Distrital de Coimbra, aos dois arguidos foi imputado o crime de “prática de dano qualificado, punível com pena de prisão de dois a oito anos”. Foi ainda deduzido “pedido de indemnização cível, em representação do Estado, reclamando o pagamento de valores de reparação das rochas e perda de receitas que ascende a 125 mil euros”. “Acreditamos que a justiça funcione e se passe a mensagem de que o património é um ativo muito importante do território e que não pode ser tratado com descuido”, refere Bruno Navarro a propósito deste caso. 

Jornalista: 
Eduardo Pinto