Ter, 29/11/2005 - 15:12
As recentes imagens de destruição e vandalismo, que, desde França, chegaram até nós, através da comunicação social, levaram-me a reforçar, com muito orgulho, como português, a ideia de que tão nobre propósito sempre foi perseguido pelos nossos emigrantes, quer radicados neste país, na Alemanha, na Suiça, no Luxemburgo, no Canadá, ou em qualquer outro destino da diáspora lusa. Razão pela qual, como filantropo assumido – entendo que o carácter do ser humano não se mede pela cor da pele, pela religião que professa, pela tendência partidária ou pela sua orientação sexual, mas por pressupostos que, de acordo com determinados padrões sociais, vincam a sua dignidade -,não partilho da opinião daqueles que utilizam o argumento da exclusão social, do racismo e da xenofobia para “legitimar” os actos selvagens perpetrados pelos emigrantes revoltosos.
Se nos dermos ao trabalho de atentar em que condições se deu a abalada dos primeiros emigrantes portugueses, nos princípios dos anos 60, nomeadamente para França a para a Alemanha – refiro-me a estes dois, por serem os mais paradigmáticos -, caracterizada, em termos da própria integração, por grandes dificuldades impostas pelas barreiras linguística e cultural, cujas condições de vida roçavam, na maioria dos casos, a indigência, chegamos à conclusão de que os nossos, que abandonaram o país em busca dum futuro mais risonho, são os grandes embaixadores deste simpático rectângulo, que é Portugal. Porque, independentemente de serem discriminados em relação aos naturais – os franceses e os alemães, é sabido, sofrem do complexo de superioridade -, souberam sempre manter uma postura de grande dignidade, cujo preço se reflecte na imagem bastante positiva da comunidade lusa: gente trabalhadora, leal, séria, honesta e, acima de tudo, respeitadora.
Ao contrário, os agitadores em causa – longe de serem representantes e mandatários de qualquer raça, é bom que se diga - que lançaram o pânico no país de Victor Hugo, ainda que reivindiquem o estatuto de enfants de la patrie, jamais serão aceites como tal. São pessoas que, por muito que tentemos compreender os motivos da sua revolta, ignoram que na Democracia não há lugar para a violência, ainda que ela seja utilizada na defesa dos direitos mais elementares. Sou partidário do Direito à Indignação, de todas as formas de luta, de todas as formas de reivindicação que elevem e dignifiquem o Homem, e que o distingam dos animais irracionais.
Curiosamente, nos distúrbios de França, como tem acontecido no nosso país, o conceito de Bem e de Mal inverteu-se por completo: os vilãos, que selvaticamente incendiaram carros e casas de gente que, como se costuma dizer, nada tinha a ver com aquele filme, não poupando sequer lares de idosos e jardins de infância, são considerados os coitadinhos, as vitimas da má política de imigração. Há para com eles uma atitude assustadoramente complacente, de total desculpabilização. Os polícias, cuja ingrata missão é restabelecer a ordem pública e garantir a segurança dos cidadãos, são os maus da fita. Levam porrada de meia – noite, porque, ao contrário dos ditos malfazejos, que não se submetem a qualquer tipo de regra, seguindo o lema do vale – tudo, apenas lhes é permitida a auto – defesa.
Face ao que aconteceu em França, coloca-se a questão sobre a eventualidade de tais motins alastrarem por toda a Europa, com dimensões e consequências preocupantes. Enquanto for concebível que os tumultos sejam a única arma para garantir a equidade, a igualdade de direitos e de oportunidades entre os cidadãos, e enquanto, hipocritamente, se condenarem os sarkosis, por usarem os adjectivos adequados nos contextos adequados, esse cenário é uma hipótese a considerar.
Duma coisa tenho a certeza: nunca, em circunstância alguma, o substantivo(adjectivado) escumalha será utilizado para qualificar os descendentes de Viriato.