Os milhões de Midas

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Ter, 09/05/2006 - 15:52


O primeiro-ministro andou por terras nordestinas, apertou mãos, envolveu-se nalguns abraços, conciso e eufónico anunciou milhões, muitos milhões destinados a devorarem o atraso secular do Nordeste.

No dia imediato à presença de José Sócrates em Bragança, tive o ensejo de escutar atentamente o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, Dr. Carlos Lage, o qual elucidou os presentes sobre os montantes a virem da Comunidade Europeia e sua aplicação no período de 2007 a 2013, em Trás-os-Montes. As verbas são significativas, as exigências também. Desconfiados devido às marcas das promessas não cumpridas, os nordestinos talvez fiquem à espera de ver para crer, por exemplo verem o Sabor transformado em Pactolo carregado de ouro devido a Midas ter lavado a cabeça e as mãos na sua nascente, ou seja: façam as obras, depois falamos. Se assim acontecer, a última oportunidade acaba em flauta a atirar ao vento notas de desamparo e desespero no deserto a que nem o vergel da Vilariça ficará imune. Vou tentar fazer-me compreender melhor. O primeiro-ministro não tem os poderes de Midas, mas tem o poder de sacudir pesos da consciência, ao determinar milhões necessários para a construção de infra-estruturas destinadas a destruírem os estrangulamentos existentes. Mas se o ouro paga os seus custos, pode-se transformar em praga caso os decisores políticos fiquem na fresca ribeira no verão e na quente lareira no inverno, à espera de nova visita do Rei. Ora, boas acessibilidades são uma afiada faca de dois gumes. A tentação dos passantes, viajantes e outros viandantes será a de percorrerem velozmente as auto-estradas e irem por aí fora até ao fim do Mundo, em busca do imprevisto, da novidade, da excitação fora de casa e de vistas indesejáveis. Todos quantos calcorrearam a menos de oitenta à hora as curvas do Marão, recordam-se das tascas, locandas e casas de petiscos onde molhavam a goela e aconchegavam o estômago no decorrer da ronceira viagem. Veio o itinerário principal e das ditas paragens, petiscos e pingas, na maioria dos casos resta a lembrança destinada a ilustrar episódios e “estórias” em terras do Zé do Telhado. Na semana passada no decorrer de um concurso de vinhos realizado em Santo Tirso, enquanto descansava das fadigas do exame aos néctares, outro membro do júri referiu um restaurante existente em Amarante, o qual obteve uma estrela do guia Michelin. Tive de confessar a falta – ainda não tinha avaliado o dito restaurante, porque embalado na viagem não me dá ao trabalho de descer à terra de Amadeo e do enorme poeta que é Teixeira de Pascoaes. Mas tenho de lá ir. Primeiro porque uma estrela do Michelin assim o determina, segundo porque rever os quadros de Amadeo e contemplar a casa do autor de “Santo Agostinho” são sempre actos enriquecedores em termos culturais. A cidade de Amarante tem um restaurante na crista da onda, tem um famoso pintor portas dentro e um visionário nas imediações, fora as paisagens, sem esquecer a recuperação das instalações e casa de Lago Cerqueira levadas a efeito pela família Mota. Mas mesmo assim, a pressa na demanda de outras novidades têm-me feito esquecer a terra de São Gonçalo. Estão a perceber? Ou as nossas terras conseguem granjear motivos de interesse, conceber representações fortes e oferecer atractivos marcantes, ou então nada feito. Grassa no interior um enorme alarido devido ao encerramento de maternidades. Compreendem-se os queixumes, mas as coisas são como são, não há criancinhas a nascerem em catadupa. Os milhões em causa aproveitados em consonância, trazem, obrigatoriamente, mais desenvolvimento, mais riqueza, mais emprego, logo mais população. Importa não se perder esta derradeira oportunidade, atrasada é certo, resultado de um sistemático meter a unha nos direitos das populações, por parte de inúmeras personagens especialistas no esbracejamento e bonzos na actuação. Pela minha parte não deixarei de trabalhar no sentido de responder ao desafio de Sócrates, sou insuspeito de pertencer ao seu grémio, outros sem pueris ou ridículos preconcebimentos façam o mesmo!