Ter, 24/01/2006 - 15:24
Mais uma vez, tal discussão não saiu desse âmbito, com nítido prejuízo para a nossa periclitante democracia local, embora com vantagem para o executivo camarário PSD. Deste modo, aprova o documento que quer, com o beneplácito duma oposição PS frouxa que não apresenta qualquer proposta alternativa, como seria seu dever pelos mandatos eleitos no executivo municipal, e que tenta disfarçar a sua incapacidade de análise com a sempre confortável abstenção.
Importa, então, clarificar o que nos reservam os próximos 4 anos de vida autárquica, em termos de investimento e gestão, tentando contornar o hermetismo de um documento maçudo, repetitivo e cheio de lugares comuns.
Pese embora a discussão sobre a condução da vida autárquica, nas últimas eleições, o actual executivo preferiu reforçar a sua provinciana política de obras de pseudo-modernidade, em detrimento da autonomia financeira dos pelouros e das freguesias, da orçamentação dedicada da cultura e educação, da subsidiariedade do movimento associativo com critérios, entre outras.
O PPI2006-2009 distribui cerca de 50% do seu valor (€70 574 563.34) por cerca de 10% do total das suas realizações (209). Se utilizarmos como indicadores estes investimentos, os 22 maiores que o executivo camarário se propõe realizar durante o próximo mandato, em termos de comparticipação própria (fonte de financiamento AA), apontam claramente as grandes linhas desta gestão autárquica. À cabeça, e com €4 000 000, o mais que prometido Centro de Saúde de Santa Maria, desde logo descartado pelo Executivo enquanto o mesmo não constar em PIDDAC. Tal facto não é novo, repete-se PPI atrás de PPI, assim como o ubíquo e multifacetado Parque da Trajinha (25% num investimento de €7 100 000). Para além destes dois investimentos, e ainda outros, óbvios, como o saneamento básico e pavimentações de vias de comunicação, resta a sempre controversa aposta no “Aeroporto Regional”, e uma torrente de novas e renovadas vias de dupla faixa de rodagem, o que põe a nu a aposta da autarquia em criar novas frentes de urbanização, diluindo por completo o investimento no Centro de Arte Contemporânea e do Centro de Ciência Viva, esse sim, investimento digno da nossa Memória, Cultura e Educação.
Pese embora a nunca demonstrada oportunidade estratégica do investimento no aeródromo, e num momento em que as companhias low-cost aproveitam a capacidade acrescida do Aeroporto do Porto e Valladolid para proporcionar voos diários a preços inferiores a um terço das tarifas da Aerocondor para Paris, ou ainda, o Governo anuncia o arranque do projecto TGV, é legitimo perguntar: qual a vida útil, e com que retorno futuro justifica o executivo municipal esta aposta? Estaremos também nós condenados à nossa própria OTA? Qual será então a legitimidade deste executivo municipal para por em causa a racionalidade do investimento da Administração Central?
Por outro lado, podemos adivinhar novas Urbanizações da Braguinha e Rica Fé, repetidas agora a poente da cidade. Alastra o ambiente suburbano em detrimento da nobreza da cidade antiga que se degrada todos os dias; perde-se o contacto com a paisagem do horizonte, esse tão nosso privilégio que se esvai ano atrás ano. Assim, antevemos também novas avenidas das Forças Armadas, numa continuada aposta no modelo da Av. Sá Carneiro, mas agora repetido um pouco por todo o lado, com o que acarreta de descaracterização da vivência urbana brigantina, assim como de perigosidade destas verdadeiras auto-estradas que cruzam a cidade de Bragança.
Mais grave ainda, preconizam-se investimentos sem discutir todo o edifício de Planeamento que está por concretizar, a saber, o Plano Director Municipal, os Planos de Urbanização, os Planos de Pormenor, a Carta Educativa, a Agenda 21 Local, o Plano Verde, entre outros. Alguns destes investimentos colidem com o planeamento actualmente vigente!!!
O sector da construção civil ver-se-á assim atirado para o abismo que representa o colapso da construção de habitação suburbana, que supera hoje e em muito as necessidades actuais e futuras da população do concelho, sem oportunidades para a sua requalificação atempada para o grande desafio que é a inevitável reabilitação do parque habitacional da cidade antiga. Em contrapartida, esta reabilitação continua a não constar destes investimentos mais avultados, com todo o seu carácter também habitação social; não consta nenhuma realização estratégica para o desenvolvimento identitário do nosso meio rural que permita a fixação da sua população; não consta qualquer iniciativa inovadora e estruturante para a manutenção e incremento da qualidade urbana; não consta ainda qualquer aposta na juventude do Concelho para com ela preparar um futuro sustentado.
Assim, é legitimo perguntar: será que a qualificação da nossa vida local depende de mais habitação suburbana? Será que precisa de vias de cintura interna? Será que precisa de aumentar a capacidade do aeródromo municipal? É claro que não!
Quanto ao Orçamento para 2006, e em contrate com os importantes investimentos concretizados na área da cultura (Teatro, Biblioteca, Conservatório) e as não menos relevantes competências da Componente Social do Ensino Básico, permaneceremos reféns da tão impessoal rubrica de Aquisição de Outros Serviços do Departamento Sócio-Cultural com 1.5% da despesa orçamentada!!!. Por outro lado, são ainda mais irrisórias as despesas preconizadas para investimento na reabilitação do parque habitacional degradado.
Bragança precisa de Serviços Educativos municipais que coordenem a ocupação dos tempos livres dos infantários e primeiros ciclos, captando e valorizando novos públicos para o Teatro, a Biblioteca, o Conservatório, o Complexo Desportivo; precisa de orçamentar a Cultura para assegurar uma estratégia e realizações regulares; precisa de recuperar o seu património habitacional degradado que nos envergonha; precisa de inovação para concretizar uma circulação urbana colectiva de qualidade; precisa de apostar em realizações que destaquem o carácter do nosso meio rural e o valor da nossa Memória colectiva, entre muito mais.
Perspectiva-se assim, mais 4 anos em que em nada nos diferenciaremos das restantes capitais de distrito, abdicando das nossas vantagens particulares – dimensão humana, memória histórica, qualidade ambiental – para fazer face à sempre prejudicial circunstância periférica e à definitiva opção terceiro-mundista do nosso governo central na concentração de investimento no litoral. Porém, e neste caso concreto, trata-se da nossa democracia local, trata-se das nossas próprias escolhas, e de que só de nós nos teremos que queixar. Resta-nos estarmos atentos à sua execução, denunciar a forma como o executivo condena o nosso futuro, e acautelar as nossas próximas decisões politicas nestas matérias.
José Castro