Ter, 23/01/2007 - 16:22
É responsável por importantes estudos e reflexões que conduziram à publicação de obras como “A Comunicação e a Literatura Popular”, “O Maravilhoso Popular – lendas, contos, mitos”, “Antologia de Contos Populares” (2 vols) e “A Mitologia dos Mouros”.
No âmbito de um trabalho para a disciplina de Literatura Infantil (3º ano do curso do 1º Ciclo do Ensino Básico), ministrada pela Prof. Doutora Lurdes Cameirão, na Escola Superior de Educação Instituto Politécnico de Bragança, eis o resultado de uma breve conversa com o escritor
Pergunta (P): Porquê o gosto pela tradição oral?
Alexandre Parafita (AP): Tem sobretudo a ver com as minhas origens transmontano-durienses. Sou natural de Sabrosa e aí recebi, na infância, uma educação não formal muito associada aos contos, às lendas, às rezas e superstições, e sobretudo a todo um ambiente de ritualizações muito marcante para qualquer criança. Muitos dos jogos infantis eram, em si mesmos, ritualizações de orações ou de narrações míticas.
P: E o gosto pela literatura infantil como começou? Alguma circunstância especial da sua infância o conduziu para este mundo?
AP: Pesaram muitas circunstâncias. Desde logo, eu gostar muito de crianças e de comunicar com elas. Ajudei a educar e a ensinar as primeiras letras aos meus irmãos mais novos, depois quando cheguei à idade de escolher uma profissão, fui para o Magistério Primário e tirei o curso de professor do ensino básico. Durante o estágio do curso, para cativar as crianças e tornar mais valiosa a minha prestação como estagiário, escrevia histórias que, todas as manhãs, distribuía por elas. Pareceu-me então que gostavam, particularmente, dessas histórias e isso começou por ser para mim um sinal estimulante.
P: Que metodologias, cautelas, preocupações leva em conta na transposição da literatura oral tradicional para a literatura infantil?
AP: Procuro sempre que os textos, em especial os contos populares e algumas lendas, tenham conteúdos que possam ajudar a criança a adquirir valores essenciais capazes de potenciar uma efectiva educação para a cidadania. Isto é, que tenham mensagens culturais com valor intemporal, sob o ponto de vista lúdico, didáctico, catártico. Quem ouve ou lê um texto da tradição oral deve, a meu ver, apreender todo um conjunto de valores e modelos estéticos que nos ligam ao fascínio de um passado longínquo e mágico. Tenho, ao mesmo tempo, a preocupação de que o núcleo essencial das histórias, onde está presente toda a sua estrutura simbólica, se mantenha inalterável, ainda que a armadura do texto possa sofrer os processos de recriação e embelezamento que a literatura para a infância naturalmente requer.
P: Qual a importância dos contos populares na formação da criança?
AP: Desde logo, contribuem para a educação estética da criança, ao ajudarem a definir e a apurar a sua sensibilidade. Daí que os contos devam ser narrados à criança desde muito cedo. A inteligência está relacionada com a sensibilidade. Razão por que vemos as crianças que, desde cedo, convivem com as rimas infantis, lengalengas, trava-línguas, canções, contos e todo o género de literatura oral, serem sempre mais capazes intelectualmente do que aquelas que crescem à margem desse convívio. As histórias excitam o espírito. A criança, ao ouvi-las, aprende a saber escutar, a saber conhecer o outro, a saber divertir-se no seio do grupo, a aceitar e a compartilhar os códigos nele vigentes. Tudo isto, e como disse já, para além de toda uma riqueza intemporal de mensagens culturais que se revelam muito valiosas no crescimento de qualquer ser humano.
P: Como aborda as suas fontes, nos processos de recolha de literatura oral tradicional?
AP: Tenho em várias aldeias uma espécie de “carteira” de narradores que abordo frequentemente. Crio com eles uma relação de confiança, procuro enobrecer os seus saberes fazendo-os, desde logo, acreditar na excelência do valor dos conteúdos da memória de que são portadores. Visito com frequência centros de dia e lares de terceira idade, vou às aldeias, sento-me à lareira com as pessoas, visto um samarrão quando é preciso acompanhá-los no campo, enfim.
P: Que riscos se corre hoje em dia de que se percam os tesouros da tradição oral?
AP: São imensos. Os modos de vida da modernidade que chegaram já aos meios rurais não perdoam. Muitos dos textos da tradição oral têm a ver com a ritualização dos trabalhos rurais e, se estes se extinguem ou alteram, desaparecem também esses mesmos textos. Por outro lado, a desertificação das aldeias e a ausência de convívio intergeracional é devastadora também neste domínio. Cabe agora às sociedades modernas, quando impotentes para combater esta tendência, encontrar modelos que permitam revitalizar a memória cultural dos povos. É nisso que estou empenhado. Foi por isso que fiz o meu doutoramento nesta área. O futuro dirá se valeu a pena.
Entrevista de: Cátia Oliveira, Susana Reis, Vanessa Santos e Ana Soares
Alunas da Escola Superior de Educação do IPB