Ter, 12/12/2006 - 12:25
As muitas filhas das manas bragançanas, senhoras solteironas porque a exemplo de Salazar casaram com a Pátria, envergavam camisas verdes, por debaixo camisolas a protegê-las do frio exaltavam os peitos fortes tão pintados dentro da estética fascista e cruelmente evidenciavam os peitos tábua que nem os sucedâneos colocados por debaixo dos soutiens conseguiam disfarçar dando mote a piropos grosseiros a ruborizaram as caras deslavadas das raparigas obrigando-as a baixarem os olhos para os ouvirem melhor. As Guardiola estavam em Lisboa, tinham influência e poder de decisão, tomavam chá amiúde na casa de Salazar, eram feias, mostravam ancas de éguas rabudas e tudo mandavam na Mocidade Portuguesa. As meninas da Mocidade provinham das chamadas boas famílias, de posses a permitirem-lhe comprar bolos no Augusto Poças, comidos e dados aos rapazes enquanto as diligentes vigilantes, professoras, passeavam o olhar pelos homens deixando antever olheiras profundas de noites mal dormidas, desassossegadas. No primeiro de Dezembro, feriado de segunda comparando-o ao do dia oito, as raparigas dos lares luzitas, chefes de quina ou de castelo luziam na missa e no desfile, enquanto os rapazes batiam o tacão, evidenciando-se no balouçar dos braços o hoje general José Carlos Cadavez. Era a primeira parte do “dia do estudante”, os ensaios tinham começado muito antes originando razias nos galinheiros, pragas e raivas dos roubados, bebedeiras e ressacas monumentais porque nefandas zurrapas acompanham os galináceos, o dinheiro era escasso e não permitia escolhas em matéria de néctares. As meninas da Mocidade e as outras trocavam com os rapazes diálogos cheios de subentendidos de desejo mútuo, de quando em vez a beata e puritana cidade agitava-se devido a num ou noutro caso o diálogo redundar em inoportuno escândalo ou pejamento. Ainda no prólogo dos ensaios algumas meninas e rapazões vestiam-se de andorinha num repenicado arremedo dos estudantes de Coimbra, até existia praxe, sendo exímios no traje o Damasceno e o “Sequinho” Guerra. Uns “doutores”, direi eu sem mofar. Ao lusco-fusco o cortejo parava junto à residência do velho reitor, bonita casa desaparecida, bem perto da sede deste jornal, a rapaziada misturava-se e, até surgiam moças descompensadas monetariamente mas atiradiças envergando capas azuis marinho emprestadas por enfermeiras ou freiras de hábito dessa cor. Os miúdos dos primeiros anos berravam a plenões pulmões a algaraviada dos eferriás, batiam as mocas umas nas outras e os matulões aconchegavam as passivas namoradas, havia que aproveitar a ocasião. Todas as ocasiões. A festa prosseguia, tendo na récita o seu ponto alto. Regateavam-se bilhetes, mais a mais os cenários naturalistas do Arquitecto Ferreira e do Fernando Pires encobriam deficiências de encenação ou de desempenho dos actores. Gostava das récitas, especialmente se eram provindas do alforge vicentino. À época a minha ignorância em matéria teatral era maior do que é hoje, não sabia quem eram Brecht, Lessing, Vitez, Menani, Grotowski, Sarrazac, Vinaver e tantos outros, dos géneros tinha uma vaga ideia, nessa adolescência refulgia o “espectáculo” dado pelo TEUC, debaixo da cerrada orientação do sage Paulo Quintela. Mais tarde, pela mão do Praça contracenei copos e vitualhas com o luminoso Assis Pacheco, por outras vias fiquei amigo de José Carlos Vasconcelos. Terminada a récita as mães comboiavam as meninas, a estudantada, entenda-se os finalistas continuavam a homenagear os conjurados bebendo taças de vinho pela noite fora, sem esquecer a manducação. Os conjurados mereciam!
PS. No decorrer de uma investigação encontrei um texto de Maria de Lurdes Pintasilgo a exaltar a organização das Guardiola e, fotos de dirigentes entre as quais Ana Maria da Luz Silva, que comandou meninas em Bragança. Estava sorridente.