“Não saí do Bragança magoado só não me revejo na forma como as pessoas fazem coisas”

PUB.

Ter, 05/05/2020 - 16:10


Quase quatro meses após a saída do comando técnico do Grupo Desportivo de Bragança, Frederico Ricardo falou abertamente sobre a sua passagem pelos brigantinos. O técnico, de 41 anos, alertou para a necessidade de o clube enveredar pela profissionalização e das dificuldades que sentiu para formar o plantel.

- De quem foi a responsabilidade na formação do plantel? Numa entrevista recente ao Nordeste, João Eusébio, apresentado como director-geral, referiu que não interveio nessa questão e que apenas trouxe cinco jogadores do investidor ….

Aquilo que eu posso dizer em relação ao plantel do GDB, e disse-o várias vezes, eu aceitei trabalhar com as condições que me deram. Quando fui contratado já sabia que estávamos a competir na série mais difícil do Campeonato de Portugal. A minha equipa técnica trouxe oito jogadores e fui informado, desde o início, que havia um investidor e que tinha cinco jogadores, mais o Ossai que já estava contratado, e os outros já tinham contrato. Nós escolhemos oito jogadores mediante o orçamento disponível, que era bastante reduzido. Andámos a contratar jogadores, como se costuma dizer, com a loja dos 300 às costas, mas sabíamos disso. Tentámos encontrar jogadores que pudessem trazer experiência e ajudar os mais jovens a formar uma equipa competitiva para atingir os objectivos.

 

- Esses oito jogadores que escolheu eram os pretendidos?

Quando digo que escolhemos oito jogadores, mas eu aceitei e que fique claro, não estou a incluir os que já tinham contrato, são os casos do Capelo ou do Kika e que ficaram porque têm valor. Eu sabia perfeitamente onde estávamos a competir e os problemas que equipas como o Bragança têm para competir com adversários com orçamentos de 300 mil euros ou mais. Nós tentamos contratar mediante o que tínhamos. Veja bem, eu falei com 102 jogadores …

 

- Ou seja não conseguiu contratar alguns dos jogadores que pretendia ….

Isso acontece com qualquer treinador. Claro que, para uma equipa ser ainda mais competitiva, o ideal é ter mais alguns jogadores. Há uma coisa que quero deixar muito clara, eu não tenho nada a apontar aos jogadores. Eles trabalharam sempre no limite e deram sempre o máximo. Quanto ao ordenado dos atletas, em todos os plantéis há jogadores que ganham mais e outros menos. O que gostaria de perguntar às pessoas é se é mais caro um jogador de 800 euros que faz os jogos todos ou um jogador de 400 euros que não faz nenhum?

 

- Faltaram-lhe reforços?

Sim. Em determinada altura quando começamos a ter uma outra lesão e castigos sabíamos perfeitamente quais eram os nossos problemas, mas devido às limitações financeiras não foi possível colmatar esses problemas. Entretanto, veio outra equipa técnica, com outras ideias, e tentou fazer o melhor dentro do orçamento disponível. O grande problema do GDB era, sobretudo, atrair jogadores. Alguns consegui pelo projecto. O que quero deixar claro é que a minha equipa técnica trabalhou com o que era possível dentro das limitações financeiras do clube.

 

- Após a sua saída chegaram três reforços, mas nada se alterou em termos de classificação. A formação do plantel não foi bem feita deste o início?

Não diria isso. Nós tínhamos bastantes jogadores para determinadas posições. Nós tivemos que emprestar alguns jogadores da formação por causa disso. Eu gosto de ter dois jogadores para cada posição e para extremo, por exemplo eu já tinha quatro e não podia contratar mais. Onde tínhamos mais lacunas era na defesa, nas laterais, e depois no meio campo quando se lesionou o Capelo. Os problemas da equipa estavam identificados, mas não tivemos capacidade para os resolver devido às limitações financeiras. Por outro lado, nós conseguimos lançar jogadores da formação como o Rodrigo. É bom lembrar que dez jogadores do GDB eram de Bragança. Se alguém souber de uma equipa deste campeonato que tenha dez jogadores da terra que me digam porque não conheço. No início quisemos um plantel mais curto para dar oportunidade aos mais novos e todas as semanas tínhamos dois três jovens da formação a treinar com o plantel sénior.

 

- Em Dezembro perguntamos-lhe se a sua saída foi pacífica. Três meses depois, já com outra visão da situação, volto a colocar-lhe a mesma questão.

Os resultados não estavam a aparecer e as pessoas são livres de tomar decisões. Já se sabe que sobra sempre para o treinador. Acabou por não ser tão pacífica porque a dada altura as pessoas não se portaram bem com a equipa técnica. Mas, eu saí a bem e continuo a ter pessoas amigas no clube. Sempre demos tudo pelo clube.

 

- Quando diz que não se portaram bem consigo está a referir-se à questão financeira?

Depois do último jogo, antes do Natal, com a União da Madeira, que foi o pior jogo do GDB, eu tive uma reunião com a direcção e com o departamento de futebol. Falámos uma ou duas horas e perguntaram-me se tinha condições para continuar. Eu disse que sim, que estavam identificados os problemas e que eram necessários três reforços e assim tínhamos condições para atingir o objectivo. Quando saímos estávamos a três pontos da linha de água e a seguir tínhamos dois jogos em casa com adversários directos. O que aconteceu foi muito simples, depois da reunião falei com alguns jogadores, marcámos treino para a quinta-feira a seguir ao Natal e, após o treino, fomos chamados para uma reunião onde fomos despedidos.

 

- Em relação à questão financeira, o GDB ainda está em incumprimento salarial consigo?

Sim. Deixe-me dizer que a minha equipa técnica ganhava dois mil euros, os quatro juntos, sem casa e sem alimentação. Tenho pena que as pessoas assumam compromissos e não os cumpram. Eu faço questão de estar na próxima assembleia-geral, até porque sou de Bragança e sou sócio do GDB, para dar o meu testemunho e para que o clube não volte a passar por isto.

 

- Surpreendeu-o a demissão de Milton Roque?

No futebol nada me surpreende. O GDB, é a minha opinião, precisa de uma direcção que, para além de gostar do clube, seja credível e que demonstre competência. Para mim o Bragança se quiser andar neste escalão tem que partir para uma situação profissional e criar cinco ou seis postos de trabalho, porque há pessoas competentes em Bragança e no distrito, se calhar acabava-se com aquilo que se tem assistido e o GDB conseguia aproximar-se de outras equipas. As pessoas parece que não percebem que o Campeonato de Portugal teve uma evolução muito grande. O clube está a competir com SAD´s, com equipas com mais dinheiro, mais recursos e que estão numa zona do país onde as equipas são mais competitivas. Vou dar um exemplo, o Vizela se quiser realizar jogos de treino durante a semana tem o Guimarães, o Paços de Ferreira ou o Moreirense. Nós temos que ser criativos para camuflar isso.

 

- Depois de ter saído do GDB manteve contacto com Milton Roque, que acabou por se demitir do cargo de presidente? Como ficou a relação?

A parir do momento que saí do clube esse senhor nunca mais se dignou a atender o telefone. Pessoalmente não saí do Bragança magoado com ninguém só não me revejo na forma como as pessoas fazem coisas. Acho que temos que dar a cara nos bons e maus momentos. Depois liguei algumas vezes, porque as pessoas tinham compromissos connosco, e até hoje ninguém me atendeu o telefone. Ainda falei com um director, mas não tem nada a ver com o assunto.

 

- Olhando para o panorama actual do clube e as dificuldades que atravessa acha que vai ser difícil alguém avançar para as eleições?

Tenho a certeza de que vão aparecer candidatos. Em termos desportivos chegou a boa notícia que o clube se vai manter no Campeonato de Portugal, devido ao coronavírus, mas em termos financeiros as pessoas querem saber com o que contam e qual a verdadeira situação do clube. Aquilo que eu acho é que o clube tem que se profissionalizar. Eu gostava que as pessoas reflectissem sobre os estatutos e pensassem na formação de uma SAD ou SDUQ, para além da criação de postos de trabalho, era o melhor caminho para o clube e acabava-se com as situações de amadorismo que aconteceram. Posso dizer-lhe que no primeiro mês que recebemos uns receberam primeiro que outros, depois faltou dinheiro a uns e a outros e isso revelou amadorismo.

Outra coisa importante, em relação à estrutura do clube aquilo que posso dizer é que sobre os assuntos de contratações falava sempre com três pessoas, o presidente o Carlos Roxo e o Chico. A partir de uma dada altura o João Eusébio, que esteve sempre presente desde o primeiro dia, passou a estar no balneário, nas reuniões e no autocarro da equipa. Mas, eu não faço a menor ideia com que funções.

 

- Em relação ao CP fala-se numa possível reformulação do campeonato. Na sua opinião o que acha que vai mudar?

Não creio que vá haver mudanças. Em Portugal liga-se muito à 1ª Liga e à Selecção Nacional e o resto deixam andar. O que vai acontecer não é mais do que aconteceu quando tivemos uma crise em 2008, claro que os clubes mais pequenos vão ter ainda mais dificuldades. Em termos competitivos talvez possam alterar a questão da subida directa do primeiro, não sei. De resto, o campeonato será nos mesmos moldes e já é bastante competitivo. Vai continuar a aumentar o fosso entre as equipas com mais dinheiro e as que têm menos.

 

- Em relação ao seu futuro? Há convites para a próxima temporada?

Felizmente tenho falado com algumas pessoas, quer em Portugal quer no estrangeiro. Isto está parado e não está, as coisas estão a andar e na altura certa tomo a decisão.

 

- Há probabilidade de voltar ao estrangeiro?

Digamos que está 50/50, mas se puder escolher prefiro ficar em Portugal. Já havia convites antes, mas com esta situação as coisas estão mais paradas. No final de Maio penso que as coisa começam a avançar.

Eu também queria deixar uma palavra às pessoas que nos ajudaram no dia-a-dia do clube, especialmente à minha equipa técnica (Rafael, Jorge Gonçalves e mister Antas) e a todos os jogadores. Nuca tive qualquer problema com os jogadores, sempre estiveram do nosso lado. Peso que com mais dois ou três jogadores podíamos ter conseguido os nossos objectivos, mas o futebol é mesmo assim.