Ter, 28/03/2006 - 15:08
Veja-se: considerarmo-nos como os parentes pobres e esquecidos começou por se assumir como uma limitação, mas acabou por se afirmar como um ninho de potencialidades quase reconfortantes. Porque é certo que quem muito se queixa fica com pouco tempo para reflectir sobre a sua própria condição e, naturalmente, sobre as respectivas causas. Consequentemente, continuarão a sobrar-lhe razões para continuar a queixar-se, desculpabilizando-se. E cada vez o fará melhor. É limpo. Viciosamente.
E este modelo de estruturação dos hábitos mentais e comportamentais que enforma a massa populacional do distrito de Bragança constitui-se como uma das causas e uma das muitas consequências que nos foram impostas. E que nós, afincadamente, fomos conquistando, unindo-nos na auto-comiseração e na mesquinhez de quem só se junta para lamber as feridas ou para defender os interesses imediatos do metro quadrado em que se projecta a sua sombra. Nas últimas décadas, os partidos alternadeiros aprimoraram-se nessa tarefa. Condicionando a “defesa das populações” às estratégias das grossas agendas da política nacional. E malabarizando as suas perspectivas para o “desenvolvimento da região” em função do jogo de corda que sustém a alternância do poder.
Por isso, qualquer cidadão brigantino que observe a realidade já se acostumou a revirar os olhos, de impaciência, e a encolher os ombros, de indiferença, perante as sempre previsíveis reacções de uns senhores a quem é dada a pomposa designação de “deputados da nação”. É pela nação que deputam, de facto, e, sobretudo, pelo cumprimento milimétrico das medidas emanadas das altas instâncias do poder governamental. Que assentam, frequentemente, em desígnios que poderiam ser imputados de insondáveis se as motivações em causa não se tornassem perceptíveis a olho nu. Por isso, olhe-se. E veja-se, nas páginas da imprensa regional, as palavras pouco alumiadas que o deputado Mota Andrade deixou sobre o fecho de uma maternidade no distrito, referindo que “o encerramento de uma sala de partos é sinónimo de prestação de melhores cuidados de saúde para as parturientes”.
Independentemente de isto poder ou não corresponder à realidade, o facto de se saber que a atitude do deputado seria diametralmente oposta se, por acaso, estivesse do lado da oposição, retira toda a credibilidade às afirmações feitas e à realidade que elas suportam. Porque os arautos do governo não parecem saber nem parecem querer saber se as medidas que propagandeiam – pela voz do dono – são ou não aquelas que favorecem o distrito que (em má hora) os elegeu. Quando Mota Andrade diz que “ todos sabemos que há muita gente que tem hoje o seu filho fora das duas maternidades existentes no distrito”, não se percebe bem se ele se refere às mulheres que têm possibilidades de escolha e optam por uma clínica privada no Porto (deslocando-se antecipadamente para lá) ou se falará daquelas que, por viverem longe de Bragança e de Mirandela, verão os filhos nascerem nas ambulâncias, entre os solavancos das estradas nacionais e afins. Porque os deputados socialistas parecem ignorar (ou querer fazer esquecer) que o velho e vetusto problema da rede viária do distrito é inseparável da nova questão do encerramento de maternidades.
Acredito que Mota Andrade trate o Primeiro-ministro por tu, mas essa familiaridade não encobre o facto de que os deputados socialistas por Bragança (?) não têm qualquer peso político nem influência que se veja. Limitam-se a reproduzir – com a força que o seu estômago lhes permitir – as fórmulas “sempre benéficas” para a vida das gentes nordestinas. A manutenção da maternidade de Chaves é reveladora: num distrito de menor dimensão física do que o de Bragança, e com melhores vias de acesso, continuará a haver duas salas de parto. E quando Mota Andrade diz que “Chaves irá fechar tão rápido como uma das salas de parto de Bragança, basta que a auto-estrada esteja finalizada”, é impossível que qualquer ser pensante não se arregale de espanto. Porque esta incrível afirmação só legitima a irresponsável decisão de encerrar uma sala de partos em Bragança, já que este distrito não só não tem qualquer auto-estrada, como se lhe arramam as estradas fora de validade (portanto, já sabemos que se um dia viermos a ter auto-estrada, acaba-se a única maternidade).
Pelo lado dos deputados socialistas, já percebemos aonde iremos. E quanto à outra face da moeda?
O deputado Duarte Lima (sabem quem é?) só não terá desaparecido em combate, porque não foi visto a lutar por coisa alguma (excepto pelo primeiro lugar da lista, nos históricos tempos santanistas). E o senhor que se lhe segue, o deputado Adão Silva – na confortável e moralista posição de membro da oposição – parece estar reactivado e pronto a manifestar-se pelas maternidades, no próximo Dia da Mãe. É bem, é bem. Mas abusar dos símbolos e adiar tomadas de posição não é um sinal de pragmatismo. E pode, facilmente, ser confundido com a demagogia de quem, calculando que não será bem sucedido, já se compraze com os dividendos da vitimização.
Quem se quer manifestar não deve esperar por Maio. Nem pelo Dia da Mãe. Nem fiar-se na Virgem. Ou mais depressa não sairá do sítio.