Mea Culpa

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Qua, 03/05/2006 - 15:41


Imagine o leitor uma cidade com o nome começado por B. Imagine que nela existe um estabelecimento de ensino dentro de cujo recinto há, para além das pessoas que vão e vêm e na sua maior parte mudam de ano para ano, grandes seres vivos vegetais de variadas espécies e de grande porte que, plantados, regados, acarinhados com sacrifício e deleite, demoraram várias dezenas de anos a fazer-se.

Imagine que a imagem exterior do edifício não pode ser dissociada dessa bela mancha verde (uma das mais belas da terra), sobretudo pelas pessoas que a todo o conjunto estão ligadas por meio de afectos muito fortes e a ele se foram habituando, ao longo do tempo. Pessoas para quem, além disso, amar a natureza não é uma expressão vã nem uma questão de moda, é uma filosofia de vida. Imagine ainda que o projecto educativo do dito estabelecimento contempla expressamente objectivos tais como reforçar a construção de uma consciência ecológica e contribuir para mudança de atitudes que preservem o ambiente.
Suponha agora que, por um desses lamentáveis enganos que (ai de nós!...) fatalmente estão sempre a acontecer (ou porque as pessoas são comodistas e se demitem das suas obrigações cívicas…), é eleito como executivo dessa instituição um alienado, um asno teimoso, um prepotente. Suponha que essa estouvada criatura, por acaso deformada na área das Geografias, vendo-se constrangido, por força dos tempos e das circunstâncias, a limitá-la severamente, transfere para as indefesas árvores a sua sede de autoritarismo sobre as pessoas que tem intenções de disciplinar. Suponha mais que para esse cromo com a sensibilidade ambiental de um protozoário abrir a escola à comunidade é cortar, desbastar, abater o arvoredo de modo a que quem passe na rua tenha melhores vistas sobre o edifício. Suponha também que o tonto designa como seu braço direito um brutamontes munido de uma motosserra, que se gaba de estar a arranjar lenha de borla para vários Invernos.
Calcule que a mente afectada do primeiro e as mãos torpes do segundo, num puro exercício de prepotência gratuita, se põem ao trabalho sob o pretexto de eliminar ramos secos, limpar e embelezar; que sem ter em conta a época do ano, a noção do que são arbustos e árvores de grande porte, resinosas e folhosas, endémicas ou importadas, espécimes raros ou mesmo únicos, decepando o tronco pela base e poupando os rebentos bravos, esgalhando ora por cima ora por baixo sem o mínimo critério racional, sem qualquer noção de estética, desconhecendo o que é a irreversibilidade, toca de cortar a eito, esgaçar, trucidar, deitar abaixo num minuto o que levou muitos anos a crescer. Calcule depois que muitos elementos dessa comunidade (mas também infelizmente sob a indiferença e o atavismo de muitos outros), deitando indignados as mãos à cabeça, preocupados também com as repercussões anti-pedagógicas do caso, interpelam de forma insistente e apoquentada o cérebro, tentando demovê-lo e fazer-lhe ver toda aquela insensatez. Que o iluminado objecta de forma hostil e bronca que quem sabe é ele, quem manda é ele, que ninguém tem nada a ver com aquilo. Calcule que a cegueira e a barbaridade persistem, indiferentes a tudo. Pois não se canse o leitor a imaginar, a supor, a calcular. Se achar que isto é ficção, vá lá e veja com os seus próprios olhos. Você e eu amamos a democracia (que tanto custou a conquistar…) e não a trocávamos por nada. Gostamos da sensação que nos chega de, naquele breve momento em que introduzimos o voto na urna, podermos estar a dar um pontapé no rabo a alguém. Mas pense também quantos lunáticos com aparência normal nós não conduziremos ao poder, cruzando depois os braços e esperando pacientemente durante três, quatro, cinco anos, enquanto eles mexem abusivamente com as nossas vidas. Pense na facilidade com que certos loucos inofensivos se podem tornar perigosos quando acedem a algum lugar de chefia. Pense no seu papel, leitor, ao defrontar-se com a inconsciência, irresponsabilidade, má formação de alguns daqueles que ajudou a colocar no poleiro. Ou melhor, não pense muito, caso contrário ainda pode ficar deprimido…

Manuel Eduardo Pires