A máscara no Planalto Mirandês

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Ter, 03/01/2006 - 15:21


As máscaras do Solstício de Inverno, que são utilizadas entre o dia 13 de Dezembro e o final do mês de Janeiro, em toda a Terra de Miranda, são as mais ricas de todo o País, no campo iconográfico, etnológico e antropológico. A conclusão é do director do Museu da Terra de Miranda, António Mourinho.

“É o Velho de Vale de Porco que sai no dia 25 de Dezembro com sua riquíssima máscara feita de madeira, com aspecto tauromórfico (símbolo da Terra Mãe, a Magna Mater dos gentios) em que os símbolos iconográficos, impressos na mesma, mostram bem o que de mais significativo que se pode encontrar em todo o Portugal e até nas vizinhas regiões espanholas de Aliste e Sayago”, defende o estudioso.
De acordo com António Mourinho, nestes objectos não falta a serpente estendida em toda a extensão da máscara, como símbolo da fertilidade, e a salamandra, símbolo lustral, “porque a terra sem água não produz e a água é essencial para a fertilidade dos campos e crescimento das plantas”, sustenta.
Além disso, acrescenta o investigador, “não faltam os chocalhos para avisar que chega um tempo novo e as bexigas, que anunciam um ritual de expurgação das doenças genitais”. Em suma, refere o responsável, “toda a figura é uma expressão de trevas e de morte, mas também de vida nova e de nova luz, do sol que se revitaliza, de um ciclo que termina e de outro que começa”.

Serpente presente

Mas há outros exemplos, refere Mourinho. É o caso da máscara de madeira do Chocalheiro de Bemposta, de aspecto bodiforme, toda preta, símbolo de trevas e de morte, com uma boca muito especial que nos lembra mais um símbolo de reprodução e fertilidade animal do que outra coisa. Em toda a extensão da máscara está esculpida, como na máscara de Vale de Porco, uma serpente, como brotando de um fruto e também com as bexigas penduradas da nuca. “É de ter em conta a serpente que o Chocalheiro traz rodeada à cintura, símbolo bem vincado da fertilidade da Terra e símbolo lustral”, alerta o investigador.
Para tudo isto, o povo tem uma explicação. “Ainda hoje, em toda a Terra de Miranda, o facto das cobras saírem na Primavera e no Verão, é considerado como sinal certo de chuva ou trovoada”, recorda o director do museu mirandês.
Por outro lado, a figura mascarada do Carocho de Constantim e da moça que o acompanha tem uma relação com a Velha e o Carocho de Vila Chã de Barceosa e com o Farandulo e a Cécia de Tó.

Anúncios de vida e de morte

Segundo a investigação levada a cabo por António Mourinho, nestas figuras, que antigamente eram mascaradas, existe um imaginário popular que as populações actuais não sabem explicar, mas que tem muito a ver com trevas, luz nova. “São coisas que é necessário deitar fora, como são os rosários de bolhacas que vemos na Velha de Vila Chã de Barceosa, na Galdrapa de São Pedro da Silva e no Farandulo de Tó. São expressões evidentes da purificação de tudo o que é velho e escurece o sol e a vida, a começar pelos fatos velhos e desajustados até às próprias máscaras de horrível aspecto diabolicamente escuro, trévico e anunciante da morte”, considera o responsável.
Todos estes sinais, acrescenta, são anúncios de tudo o que morre e tudo o que vive, da luz que se apaga com as trevas e da luz nova que renasce; de um ano que termina e outro que começa, de uma fase de passagem de uma vida velha que termina e outra que de novo nasce. Ou seja, “são ritos de passagem, mitos do eterno retorno que as nossas gentes da Terra de Miranda mantêm contra toda a força do poder instituído civil e religioso”, assevera António Mourinho, e acrescenta: “são algo que gentes locais possuem como inato, herdado “ab aeterno” da Terra Mãe onde estão as raízes que lhe deram origem e o fez crescer como os freixos que enterraram as raízes no solo onde crescem, vivem e morrem de pé”.
Neste período, proliferam manifestações populares por todo o Planalto Mirandês. Bruçó e Vale de Porco a 25 de Dezembro, Bemposta (26), Constantim (28) e dia 1 de Janeiro, de novo em Bemposta, Tó e Vila Chã de Barceosa são disso exemplo. “São tempos e lugares de vivência de um passado que, consciente ou inconscientemente, volta, com a sua pureza e significado próprios, nos quais nos deleitamos e nos transportamos numa viagem nostálgica de milhares de anos aos tempos remotos do gentilismo”, considera o estudioso.