Ter, 19/09/2023 - 11:36
A Associaçon de Lhéngua I Cultura Mirandesa é, hoje, a grande defensora da língua mirandesa. Nestes anos, em termos de trabalho, o que é que já fez a associação e o que tem feito para preservar a língua?
A associação foi criada em Lisboa, por alguns mirandeses na diáspora, e, entretanto, em 2015, entendeu-se que seria melhor passar a sua sede e o essencial dos seus trabalhos para Miranda do Douro. Desde logo, alguns cursos foram dados, em Lisboa, de Língua e Cultura Mirandesa, que juntaram alguns desses portugueses e permitiram que algumas pessoas começassem a escrever em mirandês, nomeadamente em alguns jornais regionais de Bragança. Depois, quando passou cá para cima, coincidindo com a morte do nosso fundador e alma mater, Amadeu Ferreira, começámos a trabalhar e a pôr algumas coisas no terreno. Neste momento, temos um protocolo com a Câmara Municipal de Miranda do Douro, em que nos responsabilizamos por fazer todos os trabalhos que estejam relacionados a língua e que a câmara nos peça, nomeadamente traduções. Também damos cursos on-line e temos um projecto de recolha de testemunhos junto das nossas bibliotecas vivas, que estão a arder, que são os nossos idosos, sobre os saberes, tradições e modo de vida da Terra de Miranda nas últimas dezenas de anos.
E o que ainda falta fazer?
Muita coisa já foi feita mas muito falta fazer. A escola é a charneira fulcral do futuro da língua. Na escola tem sido feito um trabalho magnífico. A prova disso é que, segundo informação que temos, no ano lectivo passado, cerca de 80% dos alunos escolheram ter Língua e Cultura Mirandesa, apesar de ser uma disciplina extra-curricular. Mas, há passos a dar em frente nesse aspecto. Ou seja, a língua pode transformar- -se numa disciplina curricular e pode, por exemplo, também aprender-se outras matérias em mirandês, nomeadamente Matemática. Fora da escola, há dois projectos que estão em cima da mesa que achamos fundamentais, para o futuro da língua, no futuro imediato. Um deles é a ratificação da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias por parte do Estado Português. Portugal assinou a carta há dois anos e falta agora ratificá-la. A carta elenca uma série de medidas, medidas de salvaguarda, e Portugal assinou-a motivado pela existência da língua no seu território. Achamos que é fundamental pôr algumas das medidas no terreno. O Estado comprometeu-se com 35 e muitas delas já estão no terreno. As que não estão não implicarão grande investimento financeiro. A outra questão que está em cima da mesa prende-se com o Orçamento de Estado de 2023 que, numa das suas alíneas, dizia que, até ao fim do ano, seria criada uma unidade orgânica para gizar estratégias de defesa, promoção e salvaguarda da língua. Tinha dotação financeira, é uma lei do Governo mas, até agora, que saibamos, ainda nada foi feito. Queremos crer que o Governo irá cumprir a lei e irá criar esta unidade que é também fundamental, no sentido de zelar pela língua.
Voltando à questão da escola… Uma das grandes prioridades sempre passou por conseguir construir alguns manuais para aprender a língua. Este ano já foram criadas maquetes para elaborar dois. Como vê esta situação e que avanços há? Poderá, a partir do momento em que estes manuais se construam, haver mais gente a querer aprender a língua?
A criação de recursos é fundamental para o ensino de qualquer disciplina. Os professores de mirandês têm de fazer tudo, construir o programa, estratégias e recursos educativos. Este ano foram criadas maquetes, num desafio lançado pela Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes, em parceria com a nossa associação, para construir manuais que poderiam ser os manuais dos primeiros quatro anos do 1º ciclo do ensino básico. Neste momento, estamos em conversação com os professores para os desenvolver, para completar todo esse processo. Queremos acreditar que dentro em breve esse projecto estará concretizado.
Ainda no que toca à aprendizagem da língua… a disciplina é leccionada apenas no Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, pode ser frequentada por um aluno de qualquer ano, mas é uma disciplina extra-curricular. O ideal seria que se convertesse em disciplina curricular? Como podem conseguir isso?
Isso, desde logo, terá de ser resultado da direcção da escola. Para nós, associação, faria todo o sentido que o mirandês se pudesse transformar numa disciplina curricular. Por exemplo, os alunos do ensino secundário, naquele trajecto normal, têm que escolar uma língua estrangeira e a nós não nos fazia engulho nenhum que pudesse ser escolhida a língua mirandesa.
O mirandês começou a estudar-se na internet, durante a pandemia, por iniciativa da associação. Sabe-se que houve boa aceitação e, por isso, o curso foi replicado. Como está a situação da aprendizagem na Internet? Ficou-se por ali?
Ficámos sem saber o que fazer e decidimos fazer esses cursos on-line. A resposta foi extraordinária. Tivemos muito interesse. Já demos oito cursos de iniciação à Língua e Cultura Mirandesa e demos também já dois cursos de nível II para as pessoas que fizeram o primeiro curso. Esses cursos foram certificados como formação de professores, o que foi muito importante porque uma percentagem muito significativa das pessoas que se inscrevem são professores do sistema público português, mas tivemos também gente de todo o mundo, da China, Macau, Polónia, Brasil, dos Estados Unidos.
Este ano, segundo um estudo da Universidade de Vigo, o mirandês vai desaparecer em 20 anos porque apenas 2% dos jovens usam a língua. Acredita que isso possa acontecer? O que pode ser feito para não deixar morrer a língua? O estudo foi desenvolvido pela Universidade de Vigo, pelo professor Xosé Costa, um amigo da língua mirandesa, em estreita colaboração com a nossa associação. Por isso, estivemos sempre muito perto do desenvolvimento desse estudo. Quem sou eu para contestar um estudo científico?
Temos de fazer fé no que eles dizem. O próprio estudo propõe algumas medidas e diz que o mirandês desaparece se não forem tomadas medidas enérgicas. Algumas delas passam pela concretização das medidas da carta europeia, criação de uma entidade que possa responsabilizar-se pela língua, reforço, dignificação e melhoramento da presença do mirandês nas escolas, assim como intensificar a presença do mirandês no quotidiano dos mirandeses e da Terra de Miranda. Do nosso ponto de vista, a língua tem que ver com a alma de um povo, mas muito do futuro dela passará pelo aspecto económico. Dependerá de poder olhá-la, para além do factor identitário, como um factor que pode gerar recursos e riqueza, podendo ser aproveitada do ponto de vista económico.