Ter, 08/08/2006 - 15:38
Tal como as cerejas, foram-se desfiando uns a seguir aos outros. Não sei se os temas apareciam sem propósito, mas o certo é que eram abordados sempre da mesma perspectiva: a do homem. E isso intrigava-me, naturalmente. Não porque fosse o homem em si, mas porque era efectivamente o homem. Éramos nós. Nós que conversávamos amigavelmente e que estávamos preocupados connosco mesmo.
Ele riu. Deixou o sorriso rasgado e riu como se tal fosse de contentamento. Mas não era. Eu sabia que não era. Era um riso de desconfiança. Talvez até de receio ou de incredulidade.
- Estás a rir de quê?
O riso tornou-se mais forte.
- Não sei o que tem tanta graça! Continuei eu. Mas ele continuava a rir.
- Fala, homem!
- Tu acreditas mesmo no que está a dizer? Questionou ele finalmente, deixando aquele riso idiota que me estava a deixar nervoso.
- Não sei a que te referes!
- Falavas de férias, de descanso, de preparação para o próximo ano escolar!
- Sim e depois?
- E depois!? Deixa-me rir! Pois meu amigo goza as tuas férias bem gozadas, porque no próximo ano até a pele te vão tirar! E se pensares nisto a sério, nem férias vais ter, porque só o pensamento te deixa triste e inseguro. Nem um dia vais ter de sossego. Férias! Oh, férias!
Ele tinha razão. Aparentemente eu não me preocupei naquela altura, mas agora que já assentei algumas ideias, começo a contar os dias que ainda tenho de férias. A preocupação não desapareceu e nem vai desaparecer, pois ninguém sabe o que vai sair da cartola da senhora ministra da educação. Certamente que não vai ficar à espera de acabarem as férias para ter alguma brilhante ideia, até porque as que já teve chegam e sobram! São mais do que suficientes para tirar o sono a um cristão quanto mais as férias! São uma autêntica tempestade!
O meu amigo não me parecia muito preocupado na altura. Se o estava, disfarçou muito bem. Uma coisa é certa: ele estava muito consciente do que pode acontecer durante as férias e depois das férias em matéria de professores. Isto demonstra que ele estava certamente preocupado e talvez até mais do que eu estou agora!
Depois desta conversa fui falar com outros colegas. Não sei se inconscientemente ou não, mas o objectivo era procurar algum sossego. Não fui capaz de o encontrar. Todos se referiam à proposta de alteração do Estatuto da Carreira Docente de um modo muito sarcástico e com algumas dúvidas, mas com um medo terrível de vir a ser implementado após aprovação, tal como se apresenta. Não pode ser! É impossível!
Francamente, eu já não sei o que dizer. Só sei que esta proposta é uma aberração na sua maior parte, mas também sei que algumas determinações não seriam mal aplicadas a algumas pessoas que se passeiam pelo ensino!
Cautela! Mas esta senhora não mede as distâncias e para ela são todos iguais. Todos estão abaixo dela. O professor não precisa de dignidade. Precisa é de trabalhar! E se não desempenhar bem o seu papel, a avaliação vai ser negativa e não passa de escalão, etc, etc.. Então isto já não é preocupação bastante?
Pois será. Mas eu dizia ao meu amigo que as férias seriam para descansar e retemperar as forças para recomeçar dia 13 de Setembro, mas ele riu e riu com propriedade. Ele acredita que estas férias serão as últimas tomadas num contexto marcadamente diferente. Daqui para a frente, férias como nós lhe chamamos, serão mais do que desejadas certamente! Já lá vai o tempo em que nos referíamos às Férias Grandes! Quem nos dera! Como mudam os tempos e as vontades! E as políticas! E a sensatez!
Pois é verdade! O meu amigo tinha razão. Falámos do homem, do mundo e das preocupações mundanas, mal sabendo que acabaríamos por falar de nós e dos receios que nos rodeiam neste intervalo alargado a que chamamos férias! Eu diria antes que em vez de férias, este tempo não é mais do que prenúncio de tempestade! Tempos de turbulência, isso sim!