Falta investigação na agricultura

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Ter, 24/05/2005 - 15:14


É licenciado em Engenharia de Produção Agrícola pelo Instituto Universitário de Trás-os-Montes e Alto Douro e lamenta que a investigação, nem sempre, seja posta ao serviço deste sector. A vida política levou-o aos cargos de deputado e de governador civil de Bragança, corria a década de 90. Confira a entrevista com António Cruz Oliveira.

Jornal Nordeste (JN) – Que caminho poderá estar reservado para a cidade de Bragança?
Cruz Oliveira (CO) – Bragança é uma cidade de serviços, serviços esses que estão a diminuir ou a desconcentrar-se para outras regiões, pelo que a cidade tem que reencontrar-se para definir que estratégia vai seguir. O turismo, a cidade ecológica, como tem sido defendido pelo presidente da Câmara, Eng. Jorge Nunes, ou outro tema que venha a ser encontrado, podem vir a servir para esse reencontro, que é urgente. Uma coisa é certa: Bragança tem que definir qual é o seu objectivo, pois a maioria dos serviços públicos que hoje a sustentam estão a diminuir. Hoje, em cada 100 habitantes do concelho, 38 são funcionários públicos. Este número está a descer e nunca mais vai subir, o que significa que temos que procurar outras alternativas que sustentem a própria cidade.
Aqui quero deixar o meu juízo de valor. O futuro de Bragança passa pelo turismo de qualidade, pela construção de mais unidades de alojamento capazes satisfazer uma procura selectiva e pela captação de investidores que aqui construam campos de jogos, como por exemplo o golfe. Recordo que o campo de golfe mais próximo de Bragança fica no Vidago. É um campo de 9 buracos, quando os grandes jogadores querem é um campo de 18 buracos. Bragança tem espaço, tem um clima adequado e tranquilidade para este efeito.

JN – As instituições de ensino superior da região têm dado resposta cabal aos problemas que afectam a agricultura, nomeadamente o cancro do castanheiro?
CO – Aqui vamos tocar numa ferida que tem a ver com a forma como a investigação que é feita de pouco vale se não passar para o exterior. Não tenho dúvidas nenhumas de que a UTAD e o IPB têm conhecimentos e capacidade para prevenir e combater doenças como o cancro do castanheiro. A prática, contudo, é que esta informação não chega ao agricultor. Parece-me que esta questão é uma espécie de bola de pingue-pongue. As instituições de ensino superior dizem que a responsabilidade da passagem da informação é do Ministério da Agricultura, que, por sua vez, diz que há um divórcio enorme entre as unidades de investigação. No meio disto tudo, os agricultores é que ficam a perder e os castanheiros vão morrendo.
De que vale investigar se, nos dias de feira, os agricultores compram castanheiros que não sabem se são ou não são portadores de doença do cancro? Esta questão só se resolve se houver um certificado de qualidade, se houver exigência nos mercados.
Existe UTAD e IPB há vários anos e nenhum agricultor sabe onde comprar castanheiros certificados e muitos ainda não sabem que técnicas hão-de utilizar para prevenir o cancro do castanheiro.

JN – Acha que há um divórcio entre as instituições académicas e o mundo empresarial?
CO – O passo a seguir já não é só completar os mestrados e os doutoramentos, que são importantes na consolidação duma escola. Agora é tempo de passar a informação para fora, das unidades de investigações dialogarem com a realidade que as envolvem. E esse diálogo não se faz, só, com Dias Abertos, mostrando a instituição às pessoas de fora. Faz-se com diálogo com os agricultores e com as outras entidades envolvidas no processo. Estando eu ligado ao NERBA, tenho que dizer que a ligação do IPB com o tecido empresarial deveria ser quase umbilical. Neste caso, o IPB e as suas três escolas têm um papel importante para dizer aos empresários o que podem fazer para melhorar a sua competitividade e não estarem à espera que os espanhóis entrem por aqui, mostrem as novidades e vendam muito mais barato.

JN – A Terra Fria é rica em produtos com Denominação de Origem Protegida. Tem-se sabido retirar rendimento deste sector?
CO – Nesta matéria temos uma grande sorte, só que ainda não a desenvolvemos. A nossa agricultura é quase toda biológica, um sector que tem cada vez mais mercado. É sabido que o nosso morango, por exemplo, só aparece em finais de Maio e que os que vão aparecendo no mercado, em Janeiro, são doutras regiões e produzidos em estufas, à custa de muitos nutrientes e rega. Ora, por razões de saúde, os mercados urbanos estão a procurar, cada vez mais, produtos biológicos em que a nossa região é rica. O que é necessário é criar um canal comercial capaz de levar a produção local para os mercados urbanos, cujos consumidores estão dispostos a pagar um preço mais elevado pelos produtos tradicionais. Este é o grande futuro de Trás-os-Montes, porque temos produtos que não têm concorrência. Ninguém consegue competir com o fumeiro de Vinhais ou Montalegre, nem haverá para a castanha de Bragança, desde que haja os canais comerciais adequados para os grandes marcados.

JN – Fale-nos um pouco da sua experiência como governador civil.
CO – Hoje posso falar dessas funções com o devido distanciamento, porque já lá vão 10 anos. É um cargo em que é necessário um trabalho exaustivo para nos conseguirmos impor junto de Lisboa. Ser governador civil de Lisboa é fácil, porque está lá todo o Governo. Mas ser governador civil de Bragança é ser o representante de todo o Governo, não só para as coisas boas - porque aí vem o Governo anunciá-las – mas para as coisas más. É ter de dizer: olhe vão tirar o comboio; olhe afinal não fazem a escola; o subsídio que prometeram, afinal, vem dividido em quatro. Esta é a expressão e a função que, normalmente, Lisboa pretende que o seu representante execute.
Bem, temos que dar a volta, fazer boa cara e andar de Bragança para Lisboa a arranjar dinheiro para a tal escola e resolver um problema que uma direcção geral entrava.
É um cargo que varia de acordo com a pessoa que o ocupa. Um governador civil pode nada fazer se o Governo disser: “agora ficas lá em cima quietinho”. Ou pode ser um cargo preenchido se o governador civil for irrequieto e for buscar a Lisboa aquilo que demoram a dar-lhe.
No Governo também há de tudo. No meu tempo tinha membros do Governo com quem era possível resolver problemas mesmo durante a noite, mas havia outros com quem não conseguia falar. Às vezes nem com o chefe de gabinete…

Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda