Falta de professores deixa alunos sem aulas

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Ter, 27/09/2022 - 12:32


Ao Jornal Nordeste, os directores dos agrupamentos de escolas do distrito falaram dos constrangimentos que estão atravessar no arranque do novo ano lectivo

No arranque do novo ano lectivo, os agrupamentos de escolas do distrito estão a ter dificuldades em substituir professores que estão de baixa. A alteração à lei de mobilidade por doença é a principal causa da falta de professores.

Mobilidade por doença tira 150 professores a agrupamento de Bragança

O novo ano lectivo arrancou com a baixa médica de centenas de professores, pelo país fora. Em causa está o facto de o regime de mobilidade por doença, que permite aos professores mudar de escola por motivo de doença, ter sofrido alterações este Verão. Ou seja, com a mudança de alguns critérios, vários professores não conseguiram ser colocados na terra de origem ou, pelo menos, perto da sua área de residência, o que faz com que muitos dos que se viram deslocados para relativamente longe estejam a recorrer a baixas médicas. Limitar a colocação dos docentes à capacidade de acolhimento das escolas e tornar obrigatória a componente lectiva estão entre os novos critérios do regime de mobilidade por doença, que fez o Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, em Bragança, perder 150 professores. Neste agrupamento, para já, é esta a maior dor: faltarem tantos docentes, quando comparado com o ano lectivo anterior e, claro, com os últimos tempos. "Tínhamos vários professores colocados por mobilidade por doença. Estamos a falar de uma redução de cerca de 150 professores. Já estávamos avisados do que iria acontecer, mas a nossa expectativa era que a situação não se precipitasse de forma tão rápida. Não esperávamos que a situação fosse assim tão dramática, sendo que, com isto, as maiores dificuldades que estamos a ter é no ensino pré-escolar e no primeiro ciclo", esclareceu Carlos Fernandes, presidente da Comissão Administrativa Provisória (CAP) do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, que disse que os docentes que estão a ser contratados estão a sê-lo, sobretudo, para substituições porque todas as turmas estão atribuídas mas que, "fruto de situações várias, há docentes que, semanalmente, estão a entrar com baixas", o que resulta em "dificuldades" porque, "enquanto o professor é colocado e não é colocado, a maior parte dos alunos, sobretudo do 3º ciclo e ensino secundário, ficam com actividades de substituição não lectivas". No agrupamento não há uma bolsa de substituição implementada como havia nos anos anteriores porque, nos tempos em que havia mais 150 docentes, nem todos tinham componente lectiva, o que permitia que estivessem escalados para substituições, para coadjuvância em sala de aula, para prestar apoio a alunos com medidas, mas, "agora não há essas possibilidade". "No ensino pré-escolar e no primeiro ciclo temos um docente por turma e aqueles meninos que precisam de uma educação mais diferenciada não vão ter o apoio que tinham no ano passado porque não temos recursos", esclareceu Carlos Fernandes. No Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, onde, em termos de alunos, comparando com o ano passado, "o número é muito semelhante", sendo que, "se houver alguma flutuação é de cerca de 10 estudantes", o Plano de Recuperação das Aprendizagens não sofreu grandes abalos com esta redução de professores. "Com os recursos que temos, está a correr conforme planeado. As recuperações são feitas mediante a identificação e disponibilidade do corpo docente, que tem a sua carga lectiva. É assim que tentamos organizar este plano", confirmou Carlos Fernandes. E no que toca às Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), sendo que, em Bragança, a contratação dos professores ainda não está concluída, o que tem levantado alguns constrangimentos e preocupações entre pais e encarregados de educação, Carlos Fernandes disse que o agrupamento está "em perfeita sintonia" com a câmara de Bragança, para que as coisas "rapidamente estejam a funcionar de forma mais adequada". Refira-se que as câmaras, depois da transferência de competências, ficaram responsáveis pela contratação desses mesmos professores para AEC's.

Macedo perdeu 30 alunos

No Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros vivem-se outros problemas. Não é bem a falta de professores, é mais a falta de alunos que atormenta. "A tendência de diminuição mantém-se. Temos vindo a perder alunos nos últimos anos. Agora temos cerca 30 alunos a menos, comparando com o ano passado. Ou seja, há mais alunos a concluir o 12º ano que a entrar no primeiro ano", revelou o director do agrupamento, Paulo Dias, que disse que perspectiva que nos próximos 10 anos sem continuem a perder estudantes, até se atingir alguma estabilidade, que deverá ser nos cerca de 700 a 800 alunos, sendo que ali, agora, há 1261. No que toca ao Plano de Recuperação das Aprendizagens, que é "bastante vasto", "foi desenhado tendo em atenção o crédito que a escola tem e, por altura da requisição dos professores, em Agosto, já estavam contadas as horas e necessidades". Por isso, "a questão da mobilidade por doença não afectou o agrupamento". "No nosso caso, temos todos os professores que precisamos e pedimos. A situação está normalizada", esclareceu Paulo Dias. Tal como a falta de professores, que não é tão sentida como em Bragança, as evidências também são outras, bem diferentes das da capital de distrito, no que toca às Actividades de Enriquecimento Curricular. Segundo explicou o director do Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros, no que à sua perspectiva respeita, "não podia correr melhor".

Alunos do agrupamento de Freixo sem aulas de Música e TIC

O ano lectivo já começou, mas nem por isso estão resolvidos todos os problemas para que os alunos estejam a ter aulas em pleno. No agrupamento de escolas de Freixo de Espada à Cinta, que tem este ano 235 alunos matriculados, cerca de mais de 10 que no ano anterior, há seis professores de baixa médica. Segundo a directora do agrupamento, Albertina Parra, cinco destes professores são efectivos e o outro é contratado. São docentes de História, Português, EVT, Música, TIC e 1º ciclo. No caso das disciplinas de Música e TIC os alunos estão mesmo sem aulas. Neste agrupamento, há 25 professores no quadro e 12 contratados, isto porque os docentes efectivos têm também outras funções, na direcção da escola, biblioteca ou CPCJ, o que obriga à contratação de “tantos” professores para dar resposta. A alteração à legislação de mobilidade por doença será a razão para os docentes estarem de baixa. Albertina Parra admite que é “muito difícil” contratar professores para substituir aqueles que estão de baixa. “O facto de Freixo ser longe dificulta muito na contratação. Quando pomos horários em contratação de escola, a preocupação é saber que tipo de horário é. É uma preocupação que temos, fazer um horário que permita às pessoas deslocarem-se. Nós temos consciência que Freixo tem esse inconveniente muito grande de estar muito longe”, afirmou. Mas a directora receia que este cenário se agrave, se os professores que estão de baixa, depois de regressarem à escola, voltem a pôr baixa e seja necessário abrir novo concurso. “Se esse professor se apresenta e depois passado algum tempo volta a pôr atestado médico, aí sim vai ser caótico, porque se isso acontecer vai obrigar a pôr novamente o horário em concurso e virá outro professor e é muito complicado”, disse. A falta de recursos humanos traz também constrangimentos à implementação do plano de recuperação de aprendizagens, criado pelo Ministério da Educação para colmatar falhas nas aprendizagens dos alunos, causadas pelas paragens da pandemia. “Está em curso, temos um desdobramento em algumas aulas, mas estamos muito limitados pelos recursos humanos. A dificuldade de implementar em pleno o plano são os recursos humanos que nunca chegam”, apontou Albertina Parra.

Professores não aceitam colocação em Vinhais

No agrupamento de escolas de Vinhais há dois professores de História com baixa médica, um do 2º ciclo e outro do ensino secundário. O concurso já foi aberto duas vezes, sem sucesso, e vai ser aberto uma terceira. O director do agrupamento, Rui Correia, explicou que os “concursos nunca ficaram vazios, os professores é que não aceitaram o lugar”. Admite que está a ser “muito difícil arranjar professores de História” e, por isso, os alunos estão “sem aulas”, embora se mantenham na escola a ter “outro tipo de acompanhamento”. Se os docentes que vão a concurso continuarem sem aceitar a colocação, a escola terá que fazer contratação. “Saiu há pouco tempo uma legislação que permite a pessoas licenciadas poderem leccionar e temos que pegar nessa legislação”, disse Rui Correia. Está ainda a faltar um professor de Actividades de Enriquecimento Curricular, uma situação que se vai prolongar nas próximas semanas, mas o director do agrupamento garante que os alunos vão ter essa actividade até o docente em causa regressar. A falta de Terapeuta da Fala é outro constrangimento, visto que não conseguem alguém para o “meio horário” de “18 horas”. “Estamos com um problema de contratação de técnicos de Terapia da Fala. Abrimos o concurso uma vez, não houve ninguém a concorrer, vamos abrir outra vez”, referiu. O agrupamento de escolas de Vinhais tem este ano lectivo 480 alunos, menos do que o ano passado, que rondava os 490. Quanto a professores, num total de 63, só 10% são contratados, os restantes são efectivos. Tendo em conta as dificuldades de aprendizagem causadas pela pandemia e não só, o agrupamento decidiu criar um programa paralelo ao do Ministério da Educação, ajustado às características dos alunos de Vinhais. “Estamos a construir um plano paralelo, tendo em conta duas dificuldades na aprendizagem que nós detectamos, que tem a ver com as novas tecnologias e com o português, e ainda com a parte laboratorial”, explicou o director do agrupamento. O plano está a ser aplicado a todos os alunos do agrupamento, mesmo aos do 1º ciclo. “Então estamos já a tentar colmatar estas falhas agora desde muito cedo, que é para os alunos quando chegam ao ensino superior, não terem esta dificuldade a interpretar textos”, frisou. A escola sede continua em obras, que só deverão estar concluídas no final deste ano. Os alunos estão distribuídos por cinco espaços da vila, o que também causa constrangimentos.

Agrupamento de Mirandela é o que tem mais baixa de professores

O agrupamento de escolas de Mirandela, o maior do distrito, tem 2045 alunos matriculados este ano, menos 50 que no ano passado. Tem cerca de 250 docentes. Mas é neste agrupamento que há mais baixa de professores. Segundo o Sindicato dos Professores do Norte (SPN) há 16 docentes de baixa médica. “Temos essa situação muito grave este ano no nosso distrito, em que tínhamos professores com problemas graves de doença, quer por si próprios, quer pelos seus familiares, e estavam colocados na sua região, não pertencendo ao quadro da escola, mas sim ao quadro de zona pedagógica. Estavam colocados aqui nos agrupamentos e este ano devido à alteração da legislação foram colocados muito distantes”, explicou Ana Paula Tomé, do SPN. Segundo a dirigente, as pessoas com mobilidade por doença resolviam substituíam os professores em falta, mas, este ano, visto que não conseguiram ficar perto da zona de residência, “vai ser mais difícil”.

Alteração do quadro de zona pedagógica

Há professores da região, com alguma idade, cerca de 60 anos, que foram colocados em Cinfães, Tabuaço, São João da Pesqueira, Tarouca. “É impensável as pessoas percorrerem estes quilómetros diariamente, porque não há saúde que o permita, nem salário, nem as pessoas podem com esta faixa etária estarem a iniciar uma carreira, deixar as suas famílias e encontrar casa próxima da escola e estar anualmente nesta situação”, afirmou Ana Paula Tomé. Até 2013, o quadro de zona pedagógica onde estão os professores da região limitava-se apenas ao distrito de Bragança. Nesse ano o Ministério da Educação alargou o quadro de zona pedagógica, que passou a abranger o distrito de Vila Real e também parte do Douro.

Professores abandonam carreira

A carreira de professor é cada vez menos atractiva. Ana Paula Tomé considera que “não há falta de professores”, mas há sim abandono da carreira, visto que muitos foram obrigados a recorrer a outras actividades e “não regressam enquanto não virem que a carreira está mais atractiva”. Para a dirigente o problema não é só a colocação distante de casa, mas também as condições de trabalho e os salários. Outro dos problemas foi o encerramento de jardins-de-infância e escolas primárias nas aldeias, devido à diminuição do número de alunos.

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais