Erosão competitiva

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Ter, 11/10/2005 - 15:14


Terminou mais um Verão. Um Verão quente. Já não há memória de um Verão tão quente como este. Quente e seco. Com seca extrema ou severa.

A reincarnação do Verão quente de 1975 ocorreu com a proclamada intenção em expropriar activos da Bombardier, uma das muitas empresas que simbolizam a erosão competitiva de Portugal. Quando a erosão deixa de ser um processo estritamente morfológico e se estende à base empresarial de um país, o problema agrava-se. Quando isto acontece num Verão quente e seco, então todos os cuidados são poucos. Onde o Governo deveria ter dado sinais de encorajamento à reestruturação do tecido empresarial português, prefere dar um sinal de afastamento de investidores estrangeiros e de manutenção do estado actual da economia.
Também o ICEP, a quem cabe responsabilidades importantes na promoção do investimento estrangeiro, parece não ter andado muito preocupado com o assunto. Lançou uma campanha na imprensa estrangeira suportada por um longo (e maçudo) texto intitulado “Portugal: A Passion for Innovation” no qual se vangloriavam os feitos inovadores das empresas portuguesas. Ora, qualquer potencial investidor que tenha tido o cuidado de ler o anúncio não deixará de notar o paradoxo de um país com tantos feitos tecnológicos mas incapaz de pôr no ar o sítio na internet aí divulgado. Será este um novo modelo de inovação estritamente baseado na paixão, mas sem resultados palpáveis?
Também neste Verão passou a ser possível criar empresas num único dia, apesar de, como vimos, encerrá-las ser bem mais difícil. O facto de se tratar duma experiência e, como tal, estar ainda restringida a algumas zonas do país, não retira mérito à iniciativa, caso ela se venha a disseminar. Trata-se, contudo, dum passo que coloca exigências ainda maiores em termos de licenciamento. Na verdade, são cada vez mais raros os negócios que não necessitam de algum tipo de licença, frequentemente envolvendo várias entidades. Facilitar a criação rápida de empresas sem actuar sobre o licenciamento e sobre a complexa teia de interesses nele instalada, significa fomentar empresas com actividades ilegais. Por isso mesmo seria importante que a “paixão pela inovação” começasse por resolver os estrangulamentos mais elementares e que subsistem há décadas no país. Algo que requer tanto de inovação organizacional como de inovação tecnológica.
A propósito de inovação, neste Verão voltou a assistir-se ao que parece ser um dos melhores sintomas da nossa manifesta incapacidade de organização e alcançar resultados. Não, não se trata do défice, do PIB ou da balança comercial. Trata-se da forma como convivemos com os incêndios. Haverá algo mais visível do que os incêndios para ilustrar a nossa incapacidade em lidar com um problema? Ano após ano, continuamos a desconhecer as causas, improvisamos meios, discutimos soluções, mas não resolvemos o problema, não alcançamos resultados.
E tudo isto apesar do anúncio a que aludimos proclamar, logo a abrir, a capacidade das empresas portuguesas fornecerem “soluções inovadoras para problemas complexos” como, imagine-se, “combater incêndios por satélite”! Haverá maior paradoxo do que este?
O que as imagens que chegam por satélite mostram não é nada disto. Vêem-se velhinhas desesperadas com alguidares, imensas acusações de fogo posto, resultados insuficientes na penalização, muito combate político por detrás das chamas, alguma lamentação pela escassez de meios, e muita desorganização. Muita desorganização. Nesta matéria, é provável que o próximo Verão volte a ser um Verão quente.
Vasco Eiriz