Diabos à solta em Vinhais

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Ter, 07/03/2006 - 16:49


Na vila de Vinhais, a Quarta-Feira de Cinzas, que encerra os festejos carnavalescos, foi marcada pela saída à rua de dezenas de Diabos, que lançaram o medo e a desordem pelas ruas.

Esta tradição, adormecida há mais de 15 anos, foi revitalizada pela autarquia local, visto que é única no Nordeste Transmontano.
“Decidimos recriar o Dia dos Diabos porque se trata de uma tradição muito interessante e é única na região. Sabemos que em Bragança, dentro da cidadela, há uma tradição semelhante, mas está desaparecida ainda há mais anos do que em Vinhais”, acrescentou o vereador da Cultura da Câmara Municipal de Vinhais, Roberto Afonso.
Os Diabos reuniram-se no Largo do Arrabalde, onde antigamente se erguia o pelourinho, e começaram a lançar o pânico e a desordem, fustigando com cinturadas quem encontravam nas ruas.
As raparigas foram o principal alvo dos homens de vermelho que, acompanhados por uma figura que encarnava a Morte, palmilhavam todos os locais onde estas se escondiam.

Morte tira raparigas da igreja

Depois de terem assaltado uma varanda para entrarem numa casa e “raptarem” as raparigas, estas conseguiram esconder-se na igreja da vila. Neste local sagrado, não é permitida a entrada aos Diabos, que tiveram de aguardar à porta até que a figura da Morte conseguisse encontrar todos os elementos do sexo feminino.
À saída, o rosto das raparigas espelhava o sofrimento e o terror dos castigos aplicados pelos homens de vermelho. “É a primeira vez que participo na festa dos Diabos e talvez a última. É muito assustador e doloroso”, desabafava Vanessa Augusto, uma jovem que decidiu participar para satisfazer a curiosidade, depois de ouvir os avós falar desta tradição.
Após os sacrifícios corporais, é altura das raparigas irem à pedra para se redimirem dos seus pecados. Entre as orações pagãs, proferidas diante da Morte e dos Diabos, no pelourinho de Vinhais, os homens fustigam as moças para serem “salvas dos seus pecados”.
Segundo Adelaide Graça, uma habitante de Vinhais, os Diabos de antigamente batiam com mais força, pelo que as raparigas, como sabiam que iam ser alvo das cinturadas, protegiam o corpo com almofadas por dentro da roupa.
Esta tradição, contudo, não se resumia ao castigo das raparigas, já que os rapazes e homens também eram castigados pelos diabos.

Sacrifício pelos pecados

“Antigamente, aqueles que eram mais amigos eram os mais sacrificados. Andávamos durante um ano a guardar-lhe uma sentença para ser lida na Quarta-Feira de Cinzas”, acrescentou Amadeu Beato, que se disfarça de Diabo há mais de 50 anos, altura em que seguiu os passos do pai.
A par das cinturadas, os Diabos também são responsáveis por vários distúrbios em casas alheias, que eram obrigados a compor no dia seguinte.
Já a figura da Morte, a única que pode entrar nos locais de culto onde se refugiam as raparigas, nunca revela a sua identidade.
No auge desta tradição, o fato da Morte estava guardado na Santa Casa da Misericórdia de Vinhais, pelo que os indivíduos interessados tinham que se inscrever para poderem encarnar esta figura.