Crónica para Paula Romão

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Ter, 04/10/2005 - 14:48


Não a conheço, nunca a vi, assim o presumo e, no entanto, dedico-lhe esta crónica. Porquê? Porque já tive o desejo de o fazer quando escreveu uma peça onde referia filmes da minha convivência, prazer e compensação de um quotidiano mordido pelo chicote da repressão no antes do 25 de Abril.

A sua crónica de então fez-me regressar às cinéfilas noites de quarta-feira do Cine Clube de Santarém, do qual fui Presidente nos sufocantes anos de 1972 e 1973. Noites guardadas por homens sem olhos, metidos em gabardinas azuis ou em casacos apertados de modo a vermos as coronhas das pistolas. Dessas noites, lembro-me de poucas coisas que teria interesse serem lembradas. As fitas do Antonioni, do Pasolini, do Welles, do Visconti, do Buñuel, do Forman e, está claro, dos proíbidos realizados pelo Sergei, sim o do Couraçado, da Linha Geral e da Greve entre tantos outros. A Paula sabe, certamente, a quem me refiro. Bem sei, esqueci o Zetterling, o Bergman, desculpe-me, mas o director está sempre atento e vigilante em relação ao espaço de cada crónica. Eu estou a tratá-la com uma espécie de intimidade devido às nossas presumíveis afinidades electivas – cinema, literatura, comentário político, observação do quotidiano, intervenção cívica – não me leve a mal por isso, por norma, nunca gasto energias desnecessariamente, se pudesse elegeria e alcandorava a preguiça a termo final da minha actividade. Porque não posso – falta-me ânimo para tal, além de dedicar tempo e atenção a um sem número de actividades, dou particular relevo a uma das que mais prezo, que é a da leitura. Sou selectivo, prefiro reler, do que ler prosa encardida, mal concebida ou escrita com os pés. As suas crónicas merecem ser lidas e comentadas. Mesmo quando estou em total desacordo com o seu conteúdo ou miolo, não será muito canónico empregar o termo miolo, mas sabe-me bem. Sabe-me a pão com nozes, como dizia o menino nascido numa aldeia do concelho de Vinhais, que nunca tinha comido tal delícia, mas tinha visto comer. Os amantes das anedotas, aqueles que riem sardonicamente enquanto bebem morraça em copos de três, ou cerveja em copos quentes, se lerem este escrito vão-me atribuir propósitos obscuros porque se comprazem na maledicência e da vida só procuram obter sarro na língua, restaurador Olex no cabelo e óculos escuros a fim de esconderem os papos e os olhos carregados de bílis. Estão rotundamente enganados. Quem nada executa ou empreende pensa que tudo é de execução fácil, e destila inveja quando os outros são bem sucedidos. Ora, a Paula foi bem sucedida ao escrever o artigo intitulado “PREC ampanha”. Tão bem sucedida, que interrompi a concepção de um projecto cultural, a fim de através deste escrito cumprir o propósito anteriormente pensado e elogiá-la pelo apontar de gritantes contradições entre a teoria e a prática de aspirantes a governar gentes e concelhos. O meu alfaiate costuma afirmar:” aos alfaiates a dose de consideração que merecem”. O Sr. Narciso tem quase oitenta anos, aturou e atura clientes há dezenas de anos, é cioso da sua reputação de artista consciencioso, sabe do seu ofício, não escarnece dos restantes alfaiates, prefere deixar o cliente satisfeito. Nunca se rebaixaria a tentar apanhar um cliente, só porque o rival se esqueceu tirar um pesponto do casaco dele. A Paula sem fúria e sem som, o Faulkner desculpa o trocadilho, teve o cuidado de reflectir sobre estas estranhas e despropositadas impugnações, comentando-as agora sem acrimónia, mas não se esquece, e bem, de salientar a inanidade de semelhante atitude. Os autores das ridículas contestações após terem lido a sua certeira crónica, só ganhavam se pedissem desculpa aos eleitores pela feia acção e, desistissem das hilariantes queixas. Mas não o vão fazer. Os leitores do “Nordeste” vão-lhe agradecer o alerta, assim o creio, sendo até possível que um ou outro modifique a sua intenção de voto devido à sua oportuna crítica. Para mim, depois de uma tentativa baldada, tenho agora o pretexto de lhe dizer quão importante é a sua atitude. Todos somos mais seguros e mais livres, devido às muitas Paulas. Isso não significa sermos mais felizes. Mas a felicidade e a infelicidade, não fazem parte desta crónica. Um meu estimado mestre ficava muito infeliz quando tinha de suportar galegadas, sem ofensa para os galegos. Obrigado Paula Romão!