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Condição: interioridade

Ter, 11/04/2006 - 00:05


Nos antípodas daquilo que pode ser considerado interioridade, à beira mar sentado, reflicto sobre essa condição e suas vicissitudes.

Falamos de um território consagrado, durante séculos e até meados do século XX, à agricultura – à exploração da terra e à criação de gados. Num território, geograficamente acidentado, o tipo de exploração possível era, e é o minifúndio, logo, uma agricultura de subsistência de base familiar, muitas vezes sendo necessário, inclusive, desbravar e conquistar o monte (algo de caótico e não estruturado). Neste cenário, facilmente se percebe que nem todos tinham acesso à terra, pois era posse de meia dúzia de senhores da terra e da própria Igreja, o que provocava grandes desequilíbrios sociais e mantinha grande parte das populações na miséria. Assim, muitos viam-se compulsivamente obrigados a procurar outras e melhores formas de vida, bem longe. Como agravante, o facto de, normalmente, as famílias serem numerosas, o que dificultava sobremaneira a sobrevivência do grupo. Várias eram as estratégias para conseguir essa sobrevivência, das quais se destacam a emigração – primeiro para as ex-colónias africanas, Índia e Brasil, mais tarde, para os países da Europa central; depois o internamento em conventos e seminários, e por último, o casamento, que apesar de não ser uma certeza para todos os indivíduos, era uma das melhores estratégias para fugir a essa condição miserável. Este seria o cenário tradicional, vivido pelas nossas comunidades rurais, até meados do século XX.
De lá para cá, foram várias as transformações ocorridas que modificaram significativamente o modo de vida das populações e dos trabalhadores rurais: 1º a mecanização da agricultura – incremento de novas ferramentas e utensílios que libertaram o homem da terra; 2º a adesão à CEE, hoje UE e a todas as suas políticas comunitárias que incentivaram e promoveram não só a especialização das grandes explorações agrícolas e pecuárias, como também feriram de morte todos aqueles pequenos agricultores, que até então conseguiam viver daquilo que a sua pequena sorte lhes dava.
Hoje, vivemos um tempo, no qual a produção agrícola não ultrapassa a meia dúzia de sacas de batata para consumo próprio, num sistema de economia paralela, no qual todos dependem de uma qualquer profissão e, depois então, nos tempos livres, complementam os seus proveitos familiares. Com conhecimento privilegiado da situação, mas limitado nos seus poderes pelas directrizes comunitárias, o governo não só defende o abandono e o desinvestimento da agricultura, como também, considera que as zonas rurais devem ser abandonadas em definitivo, transformando o interior ruralizado do país, em coutadas para turistas “urbanoides” usufruírem e adquirirem.
A condição de interioridade não deveria ser uma penalização, mas sim uma mais valia para o país. São inúmeros os recursos naturais e humanos existentes que contrariam esta lógica dos números, adoptada pelo governo. Não podemos aceitar, permitir que nos continuem a esvaziar de sentidos, de ser, enfim, do nosso âmago. São por demais evidentes os sinais nesse sentido, da vontade do nosso actual primeiro-ministro, manifestada através dos seus diferentes ministros que, dia-a-dia vão debitando medidas, programas e vontades que a muito curto prazo e, sendo aplicadas, nos obrigarão a todos a migrar rumo a estas paragens mais litorais.
Estaremos nós a ser sugados até ao tutano e impávidos e serenos ficamos!?...
Não, não deveria ser assim, até porque conhecemos as causas e reconhecemos os responsáveis por tal… têm um rosto e um nome! O problema é que quando somos chamados a escolher, cobardemente, voltamos a escolher e legitimar essa gente, o que só contribui para manter o status quo vigente e as suas políticas sectárias e discriminatórias. Em última análise e, por muito que me custe admiti-lo, a culpa do estado lastimoso em que a região se encontra é das populações que, irresponsavelmente, eleição após eleição, votam nesses senhores que só nesses períodos fazem parte da “família” transmontana, para logo no dia seguinte se esquecerem de tal condição!
A hipocrisia é tal que ainda têm o descaramento de vir à praça pública, com conferências de imprensa, tal como fez o Sr. Eng. Mota Andrade, dono e senhor do feudo, garantir que nada, nem nunca será levado ou retirado à região, para logo passadas algumas semanas, dizer o dito pelo não dito e afirmar que o que importa, afinal, é a qualidade do serviço prestado às populações, querendo com isto convencer-nos que para a Maria e o Joaquim da Aveleda, ou para a Júlia e o Manuel de Quadramil, a qualidade dos serviços públicos melhora se tiverem que se deslocar a Mirandela ou Vila Real!!!
Para além deste, temos outro grande protagonista, sempre à procura do papel principal… sim, é o Sr. Dr. Adão Silva que, de acto falhado em acto falhado, vai criticando políticas que até há bem pouco tempo defendera e vice-versa… como esta gente gosta de perder a face! Ainda por cima, para nós comuns mortais, que dessa dita tão nobre ciência que é a política nada percebemos, só nos resta o triste fado de neles votar e confiar (se quisermos, pois para eles tanto faz!).
Mais preocupante ainda, é o facto de não se vislumbrar em breve tempo, alterações significativas, a não ser a assídua alternância governativa e “tachista”. No que à região diz respeito, e por mais barulho - greves, manifestações, manifestos, entre outros previstos, continuaremos a assistir, em directo, à nossa agonizante morte lenta.
É por tudo isto que acredito e defendo, não uma alternância dos protagonistas na governação do estado, mas sim num outro estado, governado por outra estirpe de pessoas, responsáveis e responsabilizadas por aqueles que o podem e devem fazer, os cidadãos!
Hoje, tal como ontem (e temo o amanhã), por diferentes razões, somos impedidos de viver e ser Transmontanos, forçados a partir em busca de um amanhã sempre melhor.

Luís Vale