Circo pela estrada fora

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Ter, 23/05/2006 - 14:58


Artista de circo há 23 anos, tantos quantos tem, José Torralvo afirma, com convicção, que esta profissão lhe está no sangue. Uma vida carregada de sacrifícios, de quilómetros de estrada e de paisagens que mudam constantemente. Mais de duas décadas em que, para José, um dia é sempre diferente do outro.

Filho do proprietário do circo “Magic Circus”, José Torralvo afirma que esta vida foi herdada dos seus avós, que eram “curros”. “Andavam pelas ruas a fazer alguns números a troco de dinheiro. Só depois é que se evoluiu para um formato semelhante ao actual”, revela o artista.
Ao todo, vivem e viajam duas dezenas com o circo, uma verdadeira família, como lhes chama José Torralvo. “Uns são de sangue outros não, mas, aqui, todos se ajudam e partilham”, reforça o responsável, acrescentando que, por exemplo, só a montagem da estrutura exige coordenação e esforço comum.
Com apenas a antiga quarta classe, José Torralvo revela que era muito complicado ter avançado ao nível da formação. “De duas em duas semanas mudava de escola e estava sempre a procurar novos amigos”, conta o artista.
Actualmente, o ensino para as crianças está facilitado com a distribuição de computadores pelos circos. Contudo, o problema das viagens constantes mantém-se, “só consegue estudar até mais tarde quem puder sair do circo”, acrescenta o responsável.

Vida de trapezista
À semelhança dos outros artistas, José Torralvo desempenha mais do que uma função: é ilusionista, apresenta os búfalos e os cavalos de escola, mas o número que lhe dá mais destaque é o de trapezista, habilidade que juntamente com a sua irmã herdou dos pais.
Não se recorda exactamente quando pisou pela primeira vez, o palco do circo, mas sabe que pediu aos mais velhos que o deixassem actuar para a plateia. Esta vocação e um gosto acompanha-o desde então e, segundo o próprio, permanecerá para sempre.
Contudo, o árduo papel de trapezista já lhe trouxe alguns dissabores. “Há dois anos, caí de uma altura de cerca de 12 metros perante cerca de duas mil pessoas”, recorda o artista.
Nem assim, José colocou a hipótese de abandonar esta vida de circo e dedicar-se a outra profissão. “O que mais gosto é de andar sempre a viajar e conhecer novas pessoas”, afirma o artista. E garante que, se andasse na estrada, apenas pelo negócio, há muito tempo que se teria retirado desta vida.

Cidade móvel
Enquanto trapezista, José é obrigado a dispensar cuidados acrescidos com o físico e com a mente. “Não posso praticar todos os dias porque fico muito cansado. E, caso não tenha ensaios, viajamos sempre com um ginásio”, declarou o artista.
Na realidade, cada vez que o circo viaja, é como se uma mini-cidade se deslocasse. Cada uma das casas, modernas roulotes, está equipada com as mais avançadas e recentes tecnologias. “Temos todas as condições de uma habitação normal, pelo que não sentimos falta de morar num imóvel”, avança José Torralvo.
À parte das habitações, têm que assegurar o transporte e o tratamento de 30 animais de todas as espécies. Ali, podem-se encontrar ursos, búfalos, camelos, javalis e macacos, entre outros, animais que são adquiridos em jardins zoológicos, ainda que, actualmente, se possam encontrar algumas espécies nascidas dentro do próprio circo.

Nascidos no circo
Um dia mais tarde, quando tiver filhos, José tem dúvidas se gostaria que eles continuassem com a tradição da família. “Com as dificuldades e ingratidão desta vida, é muito complicado manter o circo”, lamenta o responsável. Contudo, sabe que, uma vez nascido naquele meio, será difícil não ganhar o gosto e habilidade para os truques artísticos.
Exemplo disso é a sua sobrinha. Filha de uma trapezista, Érica, com os seus tenros quatro anos, demonstra um grande à vontade perante as cordas e animais que acompanham toda a comitiva. E, nem o facto de ser a única criança no circo faz com que se sinta sozinha. “Ela está no mundo das crianças. Basta começar a chegar o público e faz logo novos amigos”, refere José Torralvo.
Ainda assim, a mãe de Érica pretende que, contrariamente ao que sucedeu com a sua família, a filha prossiga com os estudos. “Ela que se forme e, aí, se quiser trabalhar aqui já o pode fazer”, revela.
Estes são alguns dos pedaços de vida duma família que trouxe o circo a Bragança no passado fim-de-semana e que, certamente, já estará noutras paragens.