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Bragança

Ter, 03/01/2006 - 15:36


Num colóquio recentemente realizado no Porto, o Engenheiro Belmiro de Azevedo enquanto desancava no caos portuense, deu como exemplo positivo e de agradável transformação a cidade bragançana.

Fiquei contente. Da bafienta, beata, balofa urbe da primeira metade do século XX, gerida por cabeçorras curtas de ideias e manifestamente empenhadas no penacho, na intriga e no salamaleque até aos dias de hoje muito água correu debaixo da ponte do Sabor, muitos passeios em jeito de rebanho deram as cobiçadas meninas dos colégios, ao invés ninguém reparava nas raparigas, estas já não eram meninas, do Asilo gerido por uma Madre espanhola e bondosa. O burgo deixou de estar confinado ao triângulo dos cafés: Flórida do funcionalismo bancário, professores verdadeiros e milicianos sem farda ou com ela, das jovens aspirantes a professoras à cata de namorado, o Central de saudosa memória mais republicano e estudantil e o Chave d’Ouro dos monárquicos sem causa, dos situacionistas dos lugares de nomeação, tal como agora. Discreto, entalado entre o Central e a Farmácia do reviralhista Acácio Mariano existia o cafezinho do Sr. Machado, bom homem e varão mimado pelas irmãs, mais acima o Moderno, de rutilante e verde salão de chá a abarrotar de uma mocidade a extravasar de desejos, nós e elas, dotado de uma sala comprida cheia à hora de almoço por viajantes e locais, todos a beberem cafés pagos ao trinta e um, os afortunados bebiam brandy, sendo o bagaço benquisto nas mesas pelos outros, enquanto nos fundos a rapaziada faltista sem remorso jogava ping pong e bilhar. Comia-se bem no Restaurante Machado, a Amélinha tratava de mim, emprestava-me dinheiro quando perdia à lerpa, os bifes, os salpicões, as alheiras e as chouriças servidas em doses opulentas, lembras-te Manuel Praça, faziam as delícias do capitão da GNR e da volumosa sua mulher, sempre a protestar porque a marca tarimbeira lhe fazia pedir macarrão. Na Avenida ninguém olhava para trás no sincopado vai e vem a segredar sonhos e ilusões às namoradas, enquanto o agradável cheiro das tílias nos inebriava a pontos de roubarmos beijos, apesar do reprovador olhar dos zelotas denunciantes. Esta Bragança acabou, ainda bem, no entanto, nem tudo era azedo, pérfido e sarnento. Muita coisa boa existia no início da década de sessenta, como sempre existiu. Apesar de entender o viver numa perspectiva solitária, a pulsão para o outro manifestava-se exuberantemente na minha cidade, sendo latente a necessidade de amar, sendo relevante os actos de generosidade por parte de muitas pessoas, sendo estridentes os actos de inconformismo por parte de rapazes a submergirem de perguntas o talentoso Dr. Ochôa e o multifacetado Dr. Costa Macedo. O mundo de então era curto, agora é largo e global. Nunca tive um olhar desesperançado acerca de Bragança, antes pelo contrário, tendo a convicção de estar ao seu alcance um contínuo e sustentado aumento de qualidade de vida para os seus habitantes, gerador de riqueza e emprego, se for feita uma decisiva aposta na gastronomia como elemento focal, determinante para o visitante a demandar e, depois de estar saciado, gozadamente efectuar o pós-prandial recolhendo prazeres na visita aos diversos elementos culturais existentes no concelho debaixo de múltiplas etiquetas. Em Portugal poucos andam oitenta quilómetros para usufruírem de um acto cultural seco ou considerado de elite, mas andam-se oitocentos quilómetros para se “papar” uma lampreiada, um fartote de chanfana, de leitão ou xerém com conquilhas. Um pouco por todo o mundo a convivialidade à mesa movimenta e gera milhões de euros. Porque vem a talhe de foice, vejam os exemplos de êxito em Benavente, temos o “El Ermitaño” e em Zamora o celebrado “El Rincón de António”. Fazer da terra do já esquecido Paulo Quintela, a capital do Norte em matéria de comeres, é na minha opinião, a forma de darmos brilho a todas as jóias nela existentes e, erradicarmos os achaques que ainda existem e a desfeiam. Estabelecida a meta – o júbilo da gula – sustentada numa cozinha que vá para além do butelo, das cascas, dos enchidos e da posta, logo existirá a possibilidade de serem viabilizados os projectos centrados no ócio e no lúdico num feérico e amplo naipe de escolhas. Um olhar mais minucioso acerca das meninas em Bragança hei-de escrever. Bom ano de 2006.

PS. Sobre o butelo, cascas e outras coisas mais será a mina próxima crónica.