Ter, 22/11/2005 - 16:55
Um amigo, por e-mail, manifestava a sua preocupação de ver tantos produtos ‘made in China’: “Algumas coisas cheiram-me a esturro e não gosto de ver constantemente as etiquetas ‘Made in China’ pensando nas probabilidades de muitas delas incorporarem valor de trabalho escravo ou quase escravo.”
São questões complicadas e verdadeiras. Como combater a situação? Os proteccionistas altruístas defendem que se devem suspender as importações vindas de países que não obedecem a padrões mínimos de direitos laborais. Peguemos no problema que mais nos comove: o trabalho infantil. Com estas políticas estaremos a ajudar as crianças desses países? Por que há trabalho infantil?
Será apenas porque os pais são mauzões e não querem saber dos filhos? Gostarão as mães de ter as dores de parto para depois mandarem os filhos de 10 anos para fábricas onde, a troco de um salário miserável, trabalham 12 horas diárias? Todos concordarão que a resposta a estas perguntas só pode ser uma: não!
Se aceitarmos o não como resposta, temos de aceitar que o trabalho infantil existe porque famílias extremamente carecidas dele não podem prescindir. Quais são então as consequências de restrições às importações? As crianças deixam de trabalhar no sector exportador e deslocam-se para outros sectores. Que sectores? Construção civil, mendicidade, prostituição, etc.
Um estudo da UNICEF conclui que, como resultado deste tipo de políticas proteccionistas, no Bangladés milhares de meninas acabaram na prostituição. Mais precisamente entre 5000 a 7000 crianças que foram varridas das fábricas de carpetes.
Para responder às pressões das organizações altruístas de consumidores ocidentais, a Rebok passou a etiquetar os seus produtos com a garantia de que não havia trabalho infantil envolvido. Nada mais democrático. Dá-se a possibilidade ao consumidor de escolher se compra ou não. Era naturalmente impossível exercer uma vigilância apertada nas vilas e aldeias do Paquistão, onde muitas famílias se dedicavam a coser bolas de futebol. Resultado?
A produção de bolas foi centralizada numa grande zona industrial onde os trabalhadores têm ainda menos direitos. Este movimento pela etiquetagem obrigou à deslocação da produção, prejudicando milhares de famílias dispersas pelo país e impondo condições de trabalho ainda piores.
Quais os países que mais sofrem com estas políticas "altruístas"? Sobreviverão os grandes países como a China e a Índia, que já atingiram um estágio de desenvolvimento que lhes permitiu reduzir a incidência do trabalho infantil para uma percentagem que ronda os 10%. Os países como a Malásia ou a Tailândia também se aguentarão.
Os países como a Etiópia, com rendimentos anuais per capita inferiores a 100 euros, em que trabalham mais de 40% das crianças com idades entre os 10 e os 14 anos ... Estaremos a condenar grandes massas de população a morrer à fome. Estaremos mais uma vez, e como sempre o fizemos, a condenar a África.
Isto não é demagogia. Demagogia é ficarmo-nos pelas boas intenções, e de bem com a consciência, fechando os olhos às consequências do que defendemos.
Luís Francisco Aguiar-Conraria
Artigo elaborado em colaboração com a Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Informações adicionais em www.eeg.uminho.pt