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Baralhar, Partir, Dividir, Reinar, Repartir, Acreditar

Ter, 17/01/2006 - 16:33


Em Abril de 2004, o Jornal Nordeste apresentava na sua primeira página a esfusiante fotografia de uma molhada de autarcas de copos e corações ao alto, irmanados à volta da grande mesa transmontana.

O móbil do festejo era a então arrancada-a-ferros modalidade de organização intermunicipal designada por comunidade urbana de Trás-os-Montes. Claro que esses dezasseis presidentes de câmara de Bragança e Vila Real não sabiam que a criatura nunca viria a ter existência concreta (também não se sabe se o seu criador – o inefável Miguel Relvas – não terá passado de um mero holograma), mas o brinde fez-se, depois de se fazer trinta por uma linha, mesmo que não se tenha feito história. É que apesar do ar festivo da foto de família, um olhar particularizante permitiria concluir que um ou outro autarca não exibia o mais resplandecente dos sorrisos; e que ou o copo não subia ou o champanhe não descia.
E lembro-lhe, querido leitor, que no acto de partir e repartir que esteve por trás da criação da ComUrb de Trás-os-Montes, se assistiu ao imperdível momento da divisão turrona liderada pelo autarca vila-realense. Que tão afoito foi no seu afã de se ver livre do distrito de Bragança, da sua capital de distrito e do respectivo presidente de câmara (se não, quem chefiaria a comunidade urbana de “Trás-os-Montes e Alto Douro, hein?) que pespegou – a quem lhe quis pegar – o argumento de que se tratava “apenas de uma associação de municípios que pretende defender interesses comuns”.
No mínimo, intrigante é a constatação de que menos se revela no que se diz do que naquilo que fica por dizer. Porque um conceito tão exaltantemente regionalista como “interesses comuns” acaba frequentemente por mostrar que comum é apenas o desinteresse por aquilo que é comum. Como se vê pela forma como vários autarcas se umbigam amorosamente sobre si mesmos, virados para o espelho onde eles próprios se remiram e onde o seu concelho se reflecte em fundo. Noções mais largas como “região” ou até mesmo “distrito” têm demasiados quilómetros para caberem no pacote de prioridades bairristas que enformam a agenda político-pessoal de muitos presidentes de câmara da região.
E quando, agora, o autarca de Mirandela, José Silvano, fazendo o pleno da imprensa regional, se trampolina espevitadamente para os serviços noticiosos nacionais, numa súbita e furiosa transmontaneidade convicta, não poderá haver habitante do distrito que não se interrogue (ou não se exclame!) sobre as motivações de tal chinfrim. Porque – e talvez para estar à altura de uma tradição de décadas – sempre José Silvano se quis demarcar da relevância de Bragança enquanto capital de distrito, o que constitui uma forma de chamar a si – e a Mirandela e a si – o protagonismo que lhe escapa. Fê-lo sempre de forma mais ou menos subliminar e quase sempre como resposta a prerrogativas de Bragança. Veja-se, por exemplo, o facto de – ao longo da histeria tragicómica da criação das comunidades urbanas – ter apontado a centralidade do seu concelho para lhe subir a cotação, na hora de pedir para Mirandela o estatuto de capital da comunidade urbana de Trás-os-Montes, então em preparação, numa tentativa de se libertar do estigma de cidade-satélite. Veja-se, por exemplo, a birra urgente com que José Silvano ameaçou juntar-se ao centro hospitalar de Vila Real, como se ao marcar desinteresse por Bragança, sugerisse o valor autónomo do seu concelho, enquanto território de confluências, capaz de usufruir de alternativas “redentoras” para lá do distrito.
Mas uma coisa é lançar petardos para chamar a atenção sobre si mesmo. Outra, bem diferente, é recear que eles caiam sobre a própria cabeça. Por isso, José Silvano apelou “à união de todos os autarcas do distrito”, como se quisesse mostrar-lhes que é, afinal, não só um bom menino, mas, até, o melhor deles. Com a vantagem suplementar de sentir que pode fazer sentir aos outros que assume um papel pioneiro de protagonista em prol do bem-estar e do futuro desta grande região grande. Que o seu nobre e épico gesto de esplanchar os famosos cartazes à entrada do distrito (anunciando-os com um mês de antecedência para aumentar as expectativas) constituiu um golpe de sorte, pela sobreposição de vários factores que o favorecem: 1- Bragança está, de facto, lançada às suas próprias urtigas; 2- os deputados do PS e PSD continuam, pateticamente, o mesmo jogo cego de pingue-pongue, 3 – as recentes eleições autárquicas podem fazer apagar sugestões de demagogia eleitoralista; 4- os dirigentes distritais dos dois partidos alternadeiros dão poucas garantias de credibilidade e confiança, para lá das prioridades das suas próprias agendas.
Mas por aí não há novidades. Silvano está apenas contente porque acha que descobriu o que toda a gente já sabia.

P.S. – Manuel Alegre esteve em Bragança onde, contrariamente a José Silvano, disse que “Portugal começa aqui”. Desde 1986, Manuel Alegre foi o primeiro candidato à presidência da república a visitar o concelho de Moncorvo – como ouvi na TSF. Eu sei que essa ocorrência dirá pouco a muitos eleitores, mas agora que os portugueses começam a perceber que Mário Soares já se deveria ter calado e que Cavaco Silva nunca deveria ter aberto a boca (a sua auréola de falso messias empalidece a cada dia), é preciso reconhecer que há uma candidatura que cresceu em sentido e que se tornou tanto maior quanto melhor soube fazer rimar Pátria com Democracia.
Alegre-se a segunda volta!