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Alô, Terra. Daqui Bragança

Ter, 20/12/2005 - 15:41


Quando olhamos imagens da Terra vista do espaço, somos invariavelmente levados a exprimir duas atitudes distintas.

A primeira, mais física, consiste em boquiabrirmo-nos de espanto perante a beleza tão redondamente azul do nosso mundo. A segunda, mais cerebral, é uma consequência da noção de que, embora nos pareça infernalmente grande, a Terra é – apenas – um dos nove planetazitos que orbitam a estrela chamada Sol, na nossa Via Láctea. Onde existem mais de 200 mil milhões de estrelas. Ora, é inevitável que a percepção da nossa arrasadora pequenez, no todo do universo, nos oriente no sentido de relativizarmos as peripécias e contrariedades de que são feitos os nossos rasteiros dias terrestres. Que, vistos à lupa, assumem uma desproporção comicamente alienígena. Como se, subitamente vindos do espaço, não pudéssemos deixar de nos embasbacar diante das caricaturas que enformam a realidade cá de baixo. Onde, quem caia de borco (e de que outra maneira poderia cair?) num território dito europeu, de seu nome nordeste de Portugal, há-de levantar os olhos ao céu e perguntar – em pensamento, porque metade do rosto ainda está enterrada na lama – aos poderes siderais o que terá ido ali fazer e por que caminhos ínvios ali terá ido parar.
No entanto, não é de vias que trata esta crónica (IP2, IP4, IC5: remetam-se por ora); mas antes do último e ofuscante facto político ocorrido em terras brigantinas. A vinda do Sr. Ministro da Saúde – qual pai Natal de sacola cheia de nada – a desenfastiar os esbugalhados autarcas com as sempre estonteantes notícias provenientes da capital. Desta feita, o último grito era um pacote de des-medidas embrulhadas em papel natalício e desculpas de mau pagador. Onde tanto é aquilo que fica por resolver, como tudo aquilo que ainda não foi resolvido.
Por isso, ficou a saber-se que o Hospital de Bragança não ficará melhor do que está. Dos centros de saúde não se ficou a saber mais do que se sabia. E o que se sabe do Centro Hospitalar do Nordeste é igualzinho ao que não se sabe; sabendo-se que o que os autarcas sabem sobre o assunto é o mesmo que se não soubessem. José Silvano, de Mirandela, parece saber que é contra; e, na birra do costume, sabe que não precisa de Bragança para nada (já o sabíamos, aliás, mas há pessoas que gostam de repisar as suas posições, não vá alguém deixar de saber…). Longe da linha do IP4, soube Moraes Machado, de Mogadouro, sair em defesa dos concelhos periféricos que se vêem arredados de qualquer representação na direcção do Centro Hospitalar do Nordeste. Que, previsivelmente, concentrará no seu conselho de administração apenas os três concelhos apetrechados com hospitais distritais: Bragança, Macedo e Mirandela.
Eu, que nada sabia dessa recém-anunciada produção dada à luz pelo conselho de ministros e à qual foi posto o nome de Centro Hospitalar do Nordeste, fiquei a saber que Vila Real também terá um desses novos organismos. O que me faz pensar que eles serão distribuídos equitativamente por todos os distritos do nosso Portugal – circunstância que torna confusa a designação de Centro Hospitalar do Nordeste. A menos que esse novo modelo seja de aplicação exclusiva nas “braganças” deste país – palavra que o Sr. Ministro tão afoitamente utilizou para se referir às zonas de depressão crónica – justificando, assim, que só nos tenha calhado um comprimido em vez do tratamento completo. Como se a doença fosse a mesma para todas elas; ou como se nós, na Bragança de certo, estivéssemos, afinal, “muito melhor”do que nos pintam por este país abaixo.
É que o Sr. Ministro da Saúde não deve estar a olhar para o retrato certo, como facilmente se percebe pelas espantosas considerações que fez sobre a duvidosa manutenção das maternidades do distrito: “As mulheres, quer a gente queira quer não, já estão a fazer a sua escolha; e vão aos sítios onde estão tranquilas”. Ora, ora, ora. Eu não sei o que quererá a gente das relações do Sr. Ministro (embora possa imaginar), mas sei que as mulheres transmontanas têm uma amplitude de escolha muito reduzida, no momento de darem à luz. E que as pouquíssimas alternativas que lhes são apresentadas – Bragança e Mirandela – ainda se afunilam de forma dramática para aquelas que têm de se deslocar dos pontos marginais do distrito, num total de nove concelhos. É que se considerarmos que a distância que medeia entre o sul e o norte do distrito de Bragança é semelhante àquela que comportam os distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo – onde a rede viária é eficaz – é fácil concluir que as parturientes nordestinas vêem os seus trabalhos duplicar, por entre o emaranhado de estradas fora de prazo.
E é nesta altura, caro leitor, que eu o convido a levantar os olhos ao céu (já não está caído de borco, pois não?) para tentar achar o asteróide donde terá vindo o Sr. Ministro da Saúde. Que, numa tentativa alienígena de justificar a anulação da ampliação do Hospital de Bragança, considerou, de forma paternalista, que este “está muito melhor do que esperava”. E que, depois de escarrapachar a responsabilidade do mais que provável encerramento de uma maternidade do distrito para cima dos ombros nascituros do Centro Hospitalar do Nordeste, vem falar da “liberdade” e da “tranquilidade” com que a mulher (qual?) poderá dar à luz.
Conclui-se, portanto, que de lá, do mundo donde vem, o Sr. Ministro da Saúde traz desígnios insondáveis (à prova da NASA, suponho). Porque ou sabe mais do que diz e não o quer dizer; ou sabe tanto quanto os que o ouvem, o que equivale a saber menos.
De qualquer forma, a resposta parece estar nas estrelas.