A agonia da Burga

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Ter, 30/08/2005 - 14:54


A madrugada de 15 de Agosto de 2005 há-de ficar gravada, para sempre, na memória dos habitantes da pequena aldeia da Burga, no concelho de Macedo de Cavaleiros.

Não fosse a acção dos bombeiros, e o fogo que cercou a aldeia, empurrado pela forte ventania, teria engolido casas, currais de animais e tudo o que apanhasse pela frente.
Mal as chamas começaram a descer a serra de Bornes, o sino da igreja tocou a rebate, mas já era tarde para salvar as centenas de oliveiras, castanheiros, sobreiros e amendoeiras que sucumbiram ao incêndio. O fogo não deu tréguas entre a 1 e as 6 horas, cobrindo a aldeia e a serra com um manto negro.
Passadas duas semanas, ainda há quem prefira não conhecer o balanço duma longa noite de terror. “Ainda não fui dar a volta ao termo, porque não tenho coragem de ver tudo destruído e não quero andar por lá aos gritos e a chorar”, adivinha Cândida Costa, com as lágrimas quase a cair. “Ficámos todos sem nada. Havia quem colhesse 4 mil quilos de azeitona e este ano nem 10 vão colher”, desabafa a vizinha Palmira Costa.
Pior sorte teve Clarinda do Céu Pinto, 76 anos. Além das terras, a septuagenária perdeu a casa e todo recheio. Na noite da tragédia estava em Faro, na casa de um filho, e foi pelo telefone que soube que as chamas lhe tinham batido à porta. Chegou à Burga na manhã seguinte e prefere nem pensar no que teria acontecido se estivesse em casa naquela noite.

Inferno em poucos minutos

Carlos Costa e a esposa Natércia foram as primeiras pessoas a alertar os bombeiros, após avistarem “uma fogueira pequenita, que mais parecia os faróis de um carro”,
na encosta que separa a aldeia da estrada para Alfândega da Fé.
“Vimo-lo lá em cima, bem pequeno, junto à casa da floresta, mas quando chegamos a casa para telefonar aos bombeiros já as chamas estavam a avançar muito”, recorda Natércia Costa.
A casa deste casal, a primeira antes de entrar na aldeia, salvou-se por um triz, e só a ajuda dos bombeiros, amigos e família conseguiu espantar o fogo que cercou a habitação.
Na zona mais baixa da Burga, o pânico era total, tal como recorda Adelino Costa, pai de Carlos Costa. “Era fumo por todo o lado e faúlhas a saltar de telhado em telhado e de uma árvore para a outra”.
Lá em cima, ao longo da EN 102, a fúria das chamas calcinou sinais de trânsito e fez tombar os postes de madeira que seguravam cabos de telefone e electricidade. Os fios ainda estão no chão, à espera de passarem pelos novos pilares que, entretanto, já foram colocados.
No horizonte, o que era castanho ou verde ficou negro e triste. A Serra de Bornes vai demorar anos a recuperar a sua beleza e, nas terras da Burga, faltam forças para começar de novo. “Tenho 74 anos e nunca vi um incêndio que deixasse a gente tão aflita”, lamenta Josefina Azevedo, na soleira da porta, enquanto descasca as únicas amêndoas que, por sorte, colheu antes do incêndio.