40 anos na linha

PUB.

Ter, 21/11/2006 - 10:10


Conhecedor da Linha do Sabor de fio a pavio, Manuel Ferreira, natural de Lagoaça, olha com tristeza para a destruição do património ferroviário entre o Pocinho e Duas Igrejas, onde derramou suor durante 40 anos.

Manter os carris impecáveis para a passagem do comboio e das automotoras era a função do chefe de linha, que decidiu ir trabalhar para os caminhos-de-ferro em plena juventude. “A vida cá por fora estava má. O comboio dava emprego a muita gente”, recorda Manuel Ferreira.
Aos 78 anos, o ex-funcionário da CP fala com entusiasmo, mas também com alguma saudade, dos tempos em que o comboio apitava na maioria das freguesias do Nordeste Transmontano.
“O comboio faz muita falta à região. Era um meio de transporte confortável e acessível a toda a gente. Assisti à passagem de muitas máquinas a carvão…”, lembra o antigo chefe de linha.
Enquanto trabalhou no caminho-de-ferro, Manuel Ferreira primava pela dedicação e pela perfeição, garantindo que os carris reuniam todas as condições de segurança à passagem do comboio.
“Quando me deitava, em vez de dormir, pensava como é que ia efectuar o serviço no dia seguinte. Hoje é com orgulho que digo que nunca fui responsável por nenhum azar”, sublinha o ex-trabalhor da CP.

O encerramento da linha do Sabor levou a vitalidade a grande parte das freguesias do Nordeste Transmontano

Quando começou a trabalhar na Linha do Sabor, Manuel Ferreira era, apenas, auxiliar, mas, passados alguns anos, assumiu o cargo de chefia, responsabilizando-se pela manutenção de diversos cantões (troços de 10 quilómetros).
Naquele tempo, o trabalho era árduo. Quer chovesse quer nevasse, o chefe de linha tinha que se certificar da operacionalidade dos carris. “As travessas eram de madeira e iam apodrecendo, pelo que tinham que ser substituídas. Além disso, no Inverno também havia intempéries que causavam deformações na linha. Mas, à hora do comboio passar, as condições de segurança tinham que estar garantidas”, realça o ex-ferroviário.
Durante as quatro décadas dedicadas ao caminho-de-ferro, Manuel Ferreira conta que viu passar muitos comboios, entre os quais automotoras presidenciais, onde viajavam as figuras ilustres do País.
“Depois de passarem os comboios luxuosos, os trabalhadores da linha, em jeito de brincadeira, costumavam fazer-lhe continência. Essa era a nossa rotina, eles seguiam e nós ficávamos…”, acrescenta o antigo chefe.
Quando a linha encerrou (por volta de 1988), Manuel Ferreira teve de ir trabalhar para o Pocinho até alcançar a reforma. Hoje, olha com mágoa para a destruição do património que ajudou a construir, realçando que a estação de Lagoaça é um exemplo a seguir.
A Linha do Sabor, uma obra do início do século XX, destinava-se, inicialmente, ao transporte do minério da serra do Reboredo, no concelho de Torre de Moncorvo.
Ao longo do seu percurso, atravessava os distritos de Bragança e da Guarda, rasgando montes e vales nos concelhos de Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro e Miranda do Douro.