Ter, 21/10/2025 - 10:30
Há primaveras que trazem flores e promessas. Outras, como a de 2025, deixam apenas o rasto amargo de um compromisso por cumprir. Em Trás-os-Montes, onde a amendoeira é mais do que uma árvore, é memória, identidade e sustento, a natureza voltou a ditar as regras, e o homem voltou a perdê-las. O excesso de chuva, as geadas tardias e a falta crónica de regadio transformaram uma paisagem de esperança num retrato de desânimo.
A agricultura transmontana vive hoje à mercê de um céu que, quando não chove, castiga, e quando chove, destrói. A floração da amendoeira, tão breve quanto delicada, não resistiu às chuvas persistentes da primavera. A polinização falhou, o fruto não vingou, e a colheita, que já se adivinhava curta, confirmou-se catastrófica.
Mas não é apenas o clima que seca a esperança. O preço do miolo, entre 5,30 e 5,50 euros o quilo na produção convencional, não acompanha o peso dos custos, cada vez mais elevados. E ainda que a amêndoa biológica tenha ganho alguma valorização, o acréscimo é insuficiente para compensar anos de margens reduzidas e investimentos adiados. Muitos produtores, sem meios para fertilizar ou tratar, veem-se forçados a reduzir cuidados. O resultado é um ciclo vicioso: menos investimento, menos produção, menos rendimento.
Há menos de uma década, a amêndoa era o símbolo do renascimento agrícola do interior. As encostas encheram-se de amendoais, as cooperativas cresceram, e o mercado parecia prometer estabilidade. Hoje, o entusiasmo deu lugar à resistência. As árvores continuam de pé, mas muitas já sem trato, algumas sem dono.
A raiz do problema é conhecida e, ainda assim, não resolvida, a falta de água. Enquanto o Alentejo colhe produções brutais graças ao regadio, Trás-os-Montes continua a depender da inconstância do clima. O contraste é doloroso, em hectares semelhantes, produzem-se a sul quatro vezes mais toneladas do que no norte. Não é uma questão de competência ou de vontade, é uma questão de infraestrutura e de investimento público. Sem água, não há competitividade. Sem competitividade, não há futuro.
E, contudo, a amêndoa transmontana continua a florescer, ano após ano, mesmo que o fruto rareie. É esse o milagre silencioso de quem insiste em permanecer.
O que se passa com a amêndoa é, no fundo, o retrato mais nítido da agricultura portuguesa, vulnerável ao clima, dependente de apoios que tardam, e exposta a mercados que não pagam o verdadeiro valor do trabalho rural. Num tempo em que o mundo fala de transição climática, Trás-os-Montes continua à espera de uma transição hídrica que nunca chega.
Há urgência em ouvir o campo antes que o silêncio das árvores se torne definitivo. A chuva que agora cai fora de tempo é a mesma que, se bem gerida, poderia ser vida. Falta planeamento, falta regadio, falta vontade política. O que não falta, e é talvez o que ainda salva esta região, é a persistência dos que continuam a fazer promessas à terra.
Promessas de que, um dia, a flor da amendoeira voltará a anunciar não apenas beleza, mas também prosperidade. Até lá, Trás-os-Montes resiste, como sempre fez, com o peso da chuva e o preço da esperança.
Carina Alves, Diretora de Informação.