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O fogo que nunca dorme

Ter, 08/07/2025 - 11:03


"Já não há época de incêndios”. Esta é, talvez, a constatação mais preocupante que se pode retirar do testemunho de quem, no terreno, enfrenta diariamente as chamas: os nossos bombeiros.

O tempo em que havia uma preparação sazonal para o verão, em que os quartéis reforçavam os seus meios em antecipação ao calor, foi substituído por uma realidade permanente de prontidão. Os incêndios já não esperam por julho. Não pedem licença para deflagrar. Estão presentes durante todo o ano cada vez mais intensos, mais violentos, mais imprevisíveis.

Nesta edição, fazemos manchete com este tema e trazemos a estatística que ajuda a compreender o drama. Em 2023, arderam cerca de 34 mil hectares de floresta. Em 2024, até meados de outubro, esse número já ultrapassava os 136 mil. Quase quatro vezes mais. E tudo isto num ano que, paradoxalmente, teve menos ignições.O que mudou foi a natureza do fogo: passámos a lidar com uma nova geração de incêndios, com comportamentos extremos, alimentados por massas combustíveis desordenadas e fenómenos meteorológicos imprevisíveis.

A floresta portuguesa cresceu exponencialmente no último século, mas o mesmo não se pode dizer da sua gestão. O abandono rural, o envelhecimento das populações e o desaparecimento da agricultura de subsistência deixaram vastas áreas ao abandono, transformadas em combustível seco. As alterações climáticas fazem o resto: trovoadas secas, ondas de calor prolongadas e ventos erráticos tornam o combate cada vez mais complexo.

Neste novo cenário, os bombeiros estão sempre em alerta. Não há descanso. Não há calendário. E o esforço é sobre-humano.Mas as dificuldades acumulam-se. A formação de equipas está a tornar-se uma missão quase impossível. As condições oferecidas como horários extensos, escassa remuneração, riscos elevados e falta de progressão na carreira não atraem os mais jovens nem retêm os mais experientes. A interioridade agrava ainda mais este cenário. Muitos quartéis do distrito estão a perder voluntários e a lutar contra a escassez de meios humanos.

E, no entanto, o trabalho é exemplar. Em Bragança, os operacionais combatem fogos devastadores, como os de Soutelo e Rabal, impedindo que atinjam habitações. Em Vinhais, a prontidão e a consciência cívica aumentam. Em Izeda, a coordenação com outras corporações assegura respostas mais eficazes. O reconhecimento da população é justo, mas não basta. É preciso que o Governo, a administração central e todas as entidades envolvidas percebam que os bombeiros não são apenas heróis de ocasião. São pilares permanentes da segurança e da proteção civil.

É urgente valorizar quem nos protege. Dar condições dignas. Implementar uma carreira profissional estável. Reforçar os efetivos com equidade. A justiça não pode ser geográfica: uma corporação que atende mais ocorrências do que qualquer outra no distrito, como é o caso de Bragança, tem de ter direito a reforçar as suas equipas.

Estamos perante um dos maiores desafios ambientais e sociais do nosso tempo. Não basta apagar fogos. É preciso prevenir, planear, reorganizar o território, devolver às populações a capacidade de gestão e, aos bombeiros, meios adequados. O futuro não será escrito com sirenes e cinzas, mas com investimento, estratégia e coragem política.

Porque o nosso território precisa de floresta. E quem a defende merece muito mais do que palmas.

Cátia Barreira, Diretora de Informação