Ter, 21/11/2006 - 10:44
Ouvi, há dias, na rádio, uma entrevista com José Saramago, na qual ele explicava a sua perspectiva sobre aquilo que não dizemos e aquilo que não confessamos. Sendo que ninguém diz, realmente, aquilo que não confessa, porque o que não dizemos é sempre algo que não nos atrevemos a tirar da “bolha” onde isolamos o que queremos esquecer. E que, por isso, permanece, intocado, no fundo de uma qualquer consciência que se quer adormecida.
Enquanto ouvia Saramago, lembrei-me do espectáculo “Por Detrás dos Montes” que se instalou, ao longo de seis sessões, no Teatro Municipal de Bragança. E sobre o qual a responsável pela dramaturgia, a actriz Natália Luíza, esclarece que “trabalhar sobre o segredo, como conceito inerente à nossa percepção do lugar, foi uma das linhas condutoras da construção deste espectáculo”. Porque “aquilo que melhor define um sítio e quem lá vive é, muitas vezes, o indizível e o invisível”, diz Fernando Mota, que concebeu a música original.
Por isso, o espectáculo “Por Detrás dos Montes” – exibido entre 11 e 16 de Novembro – foi olhado, por muitas pessoas, com uma mistura de dúvida espantada, porque não reconheceram ali, na ausência de fórmulas imediatas e precisas, as imagens familiares e “reais” com que os habitantes da região formatam o espaço em que vivem.
Mas, porque este espectáculo não usa a palavra como instrumento fundamental de comunicação, a capacidade significadora dos gestos, dos rostos e dos sons multiplica-se, ajustando-se às interpretações pessoais de quem vê e ouve. Podendo sentir as muitas verdades dos quadros cénicos em que Trás-os-Montes é visitado no palco. Na subjectividade com que a equipa técnica e artística se sentiu tocada pelo Espírito do Lugar.
E que nos permite perceber a ladainha desencontrada das beatas em figuras de marionetas; o som riscado sobre o quadro da escola; as imagens rituais das festas, das partidas e dos encontros, dos movimentos individuais que traduzem a expressão colectiva de um povo olhado e, por isso, interpretado. Tal como o viu o Teatro Meridional, grupo já com 14 anos e muitos prémios, que, ao longo de vários meses, não arredou do distrito de Bragança, para aqui procurar – numa pesquisa literária, histórica, sonora, pictórica e de interacções humanas – os elementos específicos e únicos de uma região, num mundo cada vez uniformizado pela Ideia global.
E é esse o conceito do Projecto Províncias que o Teatro Meridional iniciou em 2004 – com os olhares sobre o Alentejo, em “Para Além do Tejo” – e terminará em 2008, com os Açores. Na concepção dos seus produtores, esta trilogia “não se pretende um trabalho antropológico e/ou mimético, mas uma interpretação subjectiva de um sentir e de um estar específicos dos habitantes da região, a ser encontrado nos corpos e entendimento dos criadores”.
“Por Detrás dos Montes”é, por isso, um espectáculo duro e minucioso. Porque reconstrói um espaço – o nosso – a partir da sua própria interioridade, sendo tão claro quanto ambíguo, nas formas com que permite olhar, sentir e interpretar as marcas e os sinais deste lugar.
Nota: “Por Detrás dos Montes” é uma co-produção do Teatro Meridional, do Teatro Municipal de Bragança – Câmara Municipal de Bragança e do Teatro Nacional de S. João.