Ter, 11/07/2006 - 15:48
Esta nota introdutória vem a propósito das regras relativas às novas condições de acesso ao ensino superior, em que é possível, de acordo com o estabelecido pelo Processo de Bolonha e pelo Decreto-Lei nº 64/2006, alguém, independentemente das habilitações escolares obtidas, preenchendo apenas o requisito dos 23 anos de idade, aceder a uma qualquer licenciatura de um qualquer estabelecimento de ensino deste país.
Na verdade, o argumento de que estas Condições Especiais têm como “objectivo a promoção da igualdade de oportunidades…” – como se estivéssemos perante a mais elementar e básica das necessidades do ser humano –, segundo o anúncio publicado pelo Politécnico de Bragança, na qualidade de instituição aderente ao novo modelo, além de falacioso, constitui-se, por um lado, como uma tremenda injustiça em relação a todos quantos, durante 12 anos de escolaridade, se esforçaram para atingir tal patamar; e, por outro, concorre claramente para desvirtuar, descredibilizar e enfraquecer o próprio ensino, vulgarizando-o.
Efectivamente, fruto da cultura do facilitismo que se instalou neste país após o 25 de Abril, conheço pessoas com apenas a 4ª classe, feita no tempo da Outra Senhora, mais capazes e mais aptas para responder aos desafios que a vida nos coloca, do que muitos com o 12º ano; como existe muito boa gente com o 5º ano “antigo” que “dá pela barba”, que supera, de longe, muitos licenciados, quer nas várias áreas do conhecimento, quer em termos de aptidão e competência para o desempenho das mais variadas funções. O que não é razão para que esses mesmos se possam isentar do normal percurso escolar. Não passa pela cabeça de ninguém, por exemplo, conceber que, na hierarquia clerical, um noviço ascenda automaticamente a bispo. Porque, como diz o anúncio da Danone, vazado numa linguagem metafórica que encerra uma verdade universal, e que encontra perfeito paralelo semântico com o tema em questão, “crescer é como construir uma casa; se faltam as bases, toda a estrutura cede”. Pois, todo o percurso académico é (ou devia ser) o resultado de sucessivas etapas. Omiti-las é enganar a sociedade, pondo em perigo o edifício social.
Em minha opinião, o carácter transcendental desta situação, que ultrapassa, largamente, a destreza do suíno em cima do velocípede, reside nos tão dúbios quanto vagos critérios de selecção a que os candidatos a Dr. ou a Eng. se “obrigam”. A título de exemplo, sem qualquer intenção de desprimorar quem quer que seja, pergunto: qual será a prestação de um proponente que tem a profissão de padeiro, e com escassas habilitações literárias, perante provas de conhecimento sobre matérias específicas que fazem parte dos conteúdos programáticos do 12º, como a Matemática, a Física, a Química, a Geometria Descritiva, a História e a Língua Portuguesa? Provavelmente, um candidato desta natureza só pode ser avaliado, nas provas de acesso, pelo “perfil”, pelas “motivações”, pelo “currículo profissional” e, na melhor das hipóteses, pela carta de recomendação passada pelo patrão, a atestar que o seu empregado é o nº 1 na doçaria conventual e nos D. Rodrigos!
Aquilo que me parece preocupante, como cidadão com alguma sensibilidade para perceber que a inovação e o progresso deste país dependem de um sistema de ensino credível, é ver que o Superior se está a transformar num vulgar produto comercial, vendável. Sendo que a prova desta tendência se pode verificar, por estas paragens, na verborreia contida no referido anúncio da responsabilidade do IPB, no qual se pode ler, entre outras coisas, “atrair novos públicos”, “uma lógica de aprendizagem” e “responder ao anseio da região”, bem como na infeliz ideia dos responsáveis pela mais consagrada instituição de ensino superior do distrito – com pretensões e universidade – , de, montando uma barraca em espaço nobre do Centro Comercial de Bragança – como julgo terem feito na Feira de S. Pedro, em Macedo -, se prestarem à humilhação de angariar “clientela”, qual operador de televisão por cabo na demanda de novos assinantes.
No caso concreto do Instituto Politécnico de Bragança – sendo que este é um fenómeno generalizado –, quem o dirige deve ter achado que para fazer face à drástica e inevitável redução do número de alunos, facto que, obviamente, põe em causa algumas dezenas de postos de trabalho, tanto de professores como de funcionários administrativos e outros, era necessário recorrer a uma solução o mais simples e pragmática possível.
Estou certo que os preconceitos desta sociedade, em relação aos títulos de reconhecimento, e as veleidades desmedidas de quem não tem a noção até onde pode ir, vão fazer com que as consequências do Pensar em Grande sejam minimizadas. Ou seja, alunos não vão faltar.
Por último, é meu entendimento que, face à nova política de aliciamento para assegurar a futura “massa crítica”, a qual tem, naturalmente, como consequência o nivelamento por baixo e a diminuição do grau de qualidade e exigência do Ensino Superior, a “aposta na formação do corpo docente” neste grau de ensino, não faz qualquer sentido, por ser, neste contexto, puramente paradoxal.