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“Bragança pode ser centro giratório Ibérico”

Ter, 20/12/2005 - 15:23


Jornal NORDESTE (JN) - A Agricultura é uma actividade com futuro para os jovens portugueses, em particular os de Trás-os-Montes e Alto Douro?

Luís Miranda (LM) - A agricultura e o sector agro-alimentar são sem dúvida algumas das actividades com maior futuro em Trás-os-Montes e Alto Douro, assim como em Portugal. Contudo deverão ser encaradas como qualquer outra actividade empresarial, e não uma fonte de subsidios. Ou seja o jovem empresário agrícola, deve encarar esta actividade como se gerisse empresas na área da restauração, serviços, construção ou outra, o que realmente é importante é que a veja como uma actividade que pode e deve ser lucrativa. Para isso, devemos abordar cada vez mais este sector numa perspectiva integrada de desenvolvimento rural, como agro-alimentar e lazer/turismo e não confinarmo-nos unicamente na produção, uma vez que é na transformação do produto que se pode acrescentar valor, aumentar a competitividade e consequentemente aumentar o rendimento.
Em relação aos jovens de Trás-os-Montes e Alto Douro a agricultura é com certeza uma actividade com futuro desde que tenham por base o referido anteriormente. No entanto existe outra questão que se prende com a dispersão da propriedade agrícola por um grande número de proprietários, que muitas vezes nem sequer estão ligados a esta actividade. Esta situação origina que muitas das terras estejam abandonadas, uma vez que os seus proprietários não as exploram, arrendam ou cedem a quem as queira explorar de uma forma rentável. Trata-se de um problema cultural de difícil resolução, que está associado ao facto de os portugueses serem muito agarrados ao seu património. Por outro lado, a imigração originou o abandono de muitas aldeias pelos mais jovens, o que apenas veio reforçar aquilo que referi anteriormente. Esta situação tem implicações graves no ordenamento do território agrícola e florestal do país, uma vez que pelo facto de existirem grandes extensões de terras abandonadas o risco de incêndio aumenta duma forma significativa, colocando em perigo a vida e os bens de centenas ou milhares de pessoas que habitam nessas áreas.

JN - A Formação que tem vindo a ser ministrada, desde que Portugal aderiu à UE, tem contribuído para melhorar as práticas agrícolas em Portugal?
LM - A formação é uma das formas de aumentar a competitividade e produtividade de países que não têm vastos recursos e têm condições climáticas adversas. Foi por via da formação que hoje se pode comer melhores produtos e com uma maior segurança. Actualmente em Portugal consomem-se produtos nacionais de melhor qualidade do que há 20 anos atrás. Veja-se os cursos de protecção e produção integrada ministrados, assim como os cursos de agricultura biológica e de boas práticas agrícolas. Os produtos tradicionais quando produzidos de acordo com as técnicas adequadas atingem excelentes padrões de qualidade e constituem uma realidade que deverá ser valorizada. Alguns exemplos disto situam-se em Trás-os-Montes como por exemplo o azeite, os enchidos, o mel. Considero que deveremos aproveitar estas potencialidades e enquadrá-los num contexto mais amplo que inclua, por exemplo, o turismo e a paisagem como um produto proveniente do mundo rural, e neste caso o Parque Natural de Montesinho é um excelente exemplo.

JN - Quantos cursos já foram promovidos pela CNJ?
LM - O Volume de formação promovida apenas pela CNJ, não considerando a formação ministrada pelas suas associadas, tem vindo a crescer desde 2002, passando neste ano de quase 300.000Horas, para cerca de 1.200.000Horas em 2003 e 2004. No corrente ano, tendo em conta os cursos já ministrados e aqueles que estão a decorrer no momento, bem como os planeados, considero que ultrapassaremos os valores dos anos transactos, na medida em queiremos promover mais de 50 acções de formação por todo o país.

JN - Quantos associados representa a CNJ?
LM - A Confederação congrega 7 Associações de Jovens Agricultores no Continente e 5 nos Açores, existindo ainda firmados protocolos com mais 12 Associações. Em grandes números poderemos afirmar que representamos cerca de 40.000 Jovens Agricultores.

JN - Qual o papel da Agricultura Biológica e criação de Raças Autóctones para os jovens agricultores transmontanos?
LM - As raças autóctones são aquelas que mais se identificam com a região de onde são originárias e que por isso lhe estão mais adaptadas. Através dos produtos específicos de cada região poderemos divulgá-las de uma forma directa, potenciando a associação de determinados produtos à sua região de origem. Alguns destes exemplos são o vinho do Porto e a região do Douro, o vinho de Bordéus e a sua região de origem, o porco Bísaro e os enchidos de Vinhais, o mel de Montesinho e o parque natural como o mesmo nome. Deste modo poderemos valorizar tanto a região como o produto em si. No entanto, os produtos tradicionais e as raças autóctones têm uma outra vantagem, que se prende com a sua unicidade, isto é o Mel de Montesinho só é possível obtê-lo naquele local, sendo difícil a sua deslocalização para outras regiões. Esta é a grande vantagem deste tipo de produtos, contrariamente ao que sucede com outros produtos ou indústrias, como por exemplo, o calçado e os componentes electrónicos cuja a produção é deslocada para onde seja mais vantajoso, já que o produto final não depende da região onde são produzidos.
No entanto quer as raças autóctones, quer os produtos da agricultura biológica, para que a sua qualidade seja convenientemente assegurada e valorizados pelo consumidor, necessitam de serem certificados. Ora, como a maior parte dos processos deste tipo, a morosidade é grande chegando processos de certificação de produtos em Portugal, a demorar 5 anos. Num contexto em que os acontecimentos se sucedem a grande rapidez as oportunidades de negócio ocorrem a alta velocidade, não faz qualquer sentido que tal suceda, pois retira toda qualquer capacidade de competitividade aos nossos produtores e aos nosso produtos. Esperemos que este Governo, que inclui como uma das suas prioridades os produtos tradicionais, altere de vez a situação.

JN - Os jovens agricultores transmontanos têm sabido tirar partido das aptidões da região para o desenvolvimento destes sectores?
LM - Em alguns sectores sim mas em outros, como referi inicialmente, não. Na medida em que a dificuldade de acesso à terra, como já referi na anteriormente e a morosidade burocrática dos processos de certificação dos produtos tem dificultado uma maior instalação de novos empresários e investidores, pelo que não tem sido possível tirar todo o partido possível. Por outro lado, há a necessidade de ter uma perspectiva do mercado mais ampla, isto é numa óptica ibérica e não unicamente nacional e Trás-os-Montes tem uma situação privilegiada neste sentido. O que será importante é dotar a região de uma rede viária eficiente que torne Bragança num centro giratório ibérico.

JN - O IFADAP tem conseguido dar resposta célere às candidaturas apresentadas por Jovens Agricultores?
LM - O Ministério da Agricultura não tem conseguido acompanhar a evolução que tem ocorrido na sociedade em geral, como acontece com a maioria destes organismos públicos. Tem excesso de pessoal e simultaneamente tem sofrido um grande desinvestimento, o que muitas vezes se traduz num elevado desfasamento da realidade. Por outro lado existe, por vezes, ao nível dos seus dirigentes, excessiva interferência de certos interesses corporativos que dificultam o seu normal funcionamento. Por exemplo, existem projectos que demoram anos a ser decididos enquanto outros o são rapidamente, dependendo mais de critérios de disponibilidade financeira do estado, do que questões análise económica.

JN - Encara com optimismo o futuro do Mundo Rural, numa perspectiva de fixação dos jovens à terra?
LM - Para nós a questão não se coloca na fixação à terra porque acaba por dar uma ideia de obrigatoriedade de permanecer num determinado local. Encaro com muito optimismo o mundo rural como um sector de excelentes oportunidades em termos empresariais, capazes que criar emprego e riqueza e por esta forma fixar pessoas à volta de um sector fundamental para a nossa economia. No entanto ainda existe um certo provincianismo que impera em alguns centros de decisão, que vêem este sector como sendo de menor importância e valor.

JN - Que projectos tem desenvolvido a CNJ para promoção dos Vinhos e Raças Autóctones? Quais delas?
LM - Está a decorrer um projecto, que está em fase de implementação próximo de Lisboa, na promoção da raça Garrana como animal de ensino e lazer, e cuja a sua valorização é muito baixo e depreciada em Portugal. Existe ainda outro projecto que decorreu em Portugal e França denominado a “Arte de ser português” e que consiste no envio de produtos, nomeadamente um tipo de carne, para Estrasburgo e Lisboa, que possibilitou a introdução desse produto na ementa de um restaurante de luxo.

Entrevista de João Campos