Ter, 22/11/2005 - 16:26
Estou a escrever muito a sério, já estou cansado de receber piadas e dichotes porque os “matarruanos” acorrentam as mulheres, agridem à traição e, as praxes estudantis continuam a evidenciar a besta juvenil tão bem descrita por Golding no seu famoso livro “O Deus das Moscas”. Um ponto evidente é que, se não possuirmos instrumentos de correcção e erradicação de práticas intimidatórias, alhear-nos-emos progressivamente da exigência de civilizadas regras de convivialidade; se não mantivermos a continuidade da obrigação do respeito mútuo, a nossa história de agradável e esfusiante cidade estudantil, Coimbra em miniatura, escreveu um bragançano, tornar-se-á cada vez mais distante de nós, até nos ser estranha, parola e a evitar. A praxe existe a todos os níveis, o Cândido é taxativo – praxe: “O que se pratica habitualmente; prática; uso; pragmática”. Ora, sendo-o, a praxe quando se estriba em pesadelo para os praxados porque os praxistas aviltam a sua dignidade e honra, importa modificá-la ou até eliminá-la, por ser miserável exibição de crueldade por parte de “valentões” em grupo, os quais procuram justificar os seus nefandos actos recorrendo a abstrusos argumentos, sem esquecer a estafada justificação de na altura do acto estarem embriagados. Em Bragança, nos velhos tempos, os estudantes mais adiantados ou idosos do Liceu, devidamente trajados simulavam uma praxe inspirada na dos estudantes da Universidade de Coimbra, referiam vagamente o “Palito Métrico” sem saberem o nome do autor, tentando imitar o inimitável e mor-irreverente que passou por aquela Universidade, o famoso PAD’ZÉ, Alberto Costa. A praxe desses estudantes liceais, alguns deles a passarem a casa dos vinte anos, baseava-se numa mistura de alegria, brejeirice e vocabulário a condizer, de modo a proporcionar aos intervenientes e espectadores sonoras e fartas gargalhadas. Um diferendo entre a academia e o Senhor Roque da Silva Moura levou à proibição dos estudantes entrarem no Café Moderno. O café dos estudantes passou a ser o Café Progresso. As trupes encarregavam-se de vigiar o Moderno e, todos quantos ousavam entrar no espaço interdito, sofriam uma punição. Castigos saborosos: medir o círculo do cruzeiro da Praça da Sé com um fósforo, ou olhar o sol através de um vidro tisnado de fumo. Agora, as coisas são como são, as praxes converteram-se num insulto, a conferirem toda a acuidade ao dito de Francisco de Quevedo:” O insulto é a razão do que razão não tem”. Neste último caso, o Ministro tomou uma atitude firme, enquanto as autoridades académicas procuraram evidenciar as impalpáveis diferenças de sentimento entre a queixosa ter sido fisicamente ultrajada ou simplesmente ameaçada. Mas as pessoas não sentem o “universo” dos adeptos da praxe da mesma forma que os impregnados do clima desse mesmo universo. A experiência difere, especialmente para todos quantos vêm na praxe resquícios de obscurantismo medieval impregnado de boçalidade e grosseria. Tive a felicidade de frequentar uma Universidade altamente politizada, mais interessada em ideias a revolverem o Mundo, do que na aplicação de desqualificações aos caloiros. Andei em correrias à frente da polícia, apanhei, e recolhi sapatos de colegas que os perdiam na atrapalhação da debandada. A Cidade Universitária e a cantina velha eram palcos de duras e agudas discussões ideiológicas. A PIDE matou um estudante na Faculdade de Direito. Lembram-se? Mais tarde, em Coimbra, enquanto fazia o curso de bibliotecário-arquivista, só existia ali, a praxe não passava de um arremedo, pois ainda se faziam sentir os efeitos das crises, nas quais a velha praxe foi duramente vergastada. Há muito boa gente em Bragança, capaz de se recordar desses tristes tempos. Pouco importa que os amigos da praxe condenem os violentos e realcem as possíveis virtudes dela. O que realmente interessa é que a coacção, a censura, ameaça ou o desforço fiquem ausentes do quotidiano das Escolas. E sendo a praxe “aquilo que se pratica habitualmente”, não é crível, nem possível, aceitar-se o abuso configurado no uso da força e do enxovalho verbal.