Unidade de missão virtual

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Ter, 21/06/2016 - 09:53


Perante a desgraça que é o resultado da incúria relativamente ao território nacional, reflectida na concentração demográfica no corredor cada vez mais estreito da festa litoral, o primeiro ministro lançou uma unidade de missão para o desenvolvimento do interior. Uma urgência, como sabemos.
Houve um poeta, na década de 60, Daniel Filipe, nascido em Cabo Verde, que falou da invenção do amor com carácter de urgência, num texto que marcou a juventude daqueles tempos prodigiosos, em que o mundo velho das cobardias, das injustiças e de muitas outras misérias, parecia finar-se para sempre, para servir de húmus que alimentaria madrugadas em flor.
A titular da unidade de missão já esteve três vezes no distrito de Bragança, sempre sem deixar claras as perspectivas de intervenção, as prioridades ou um calendário de acções, o que permite concluir que a missão ainda não encontrou os seus próprios contornos. Fica-se com a sensação de estar a lidar com algo do mundo virtual, que arrisca não encontrar meios, se calhar nem vontades de concretização. Não falamos, por isso, de um amor urgente.
Na semana passada, em Alfândega da Fé, Helena de Freitas, a líder da missão, referiu como fundamental para a região a aposta nos produtos endógenos e por aí se ficou. Ora, a conversa dos referidos produtos e potencialidades nada traz de novo e, ao fim de décadas, não demonstrou sequer capacidade de estabilizar a demografia e, muito menos, desenvolver a economia do nordeste transmontano.
Soa a descoberta do bacalhau demolhado, com todos os efeitos de descrédito que acarreta para quem se arroga o papel paternalista, como se não tivéssemos consciência do que tem sido o calvário interminável do nosso destino.
Vale a pena lembrar que já lá vão sessenta anos sobre o lançamento de uma empresa, que poderia ter tido resultados notáveis para os produtos locais, garantindo a sua colocação nos mercados e o sucesso do sector agro-industrial. Essa empresa, no sentido de projecto, obra, desígnio, teve como protagonista Camilo de Mendonça.
O complexo agro-industrial do Cachão ainda é testemunha do que poderia ter acontecido se não tivesse ocorrido a sua destruição, orquestrada nos idos do verão quente e consumada pelas manipulações das décadas de 70 e 80, condenando a região a abdicar do que, paradoxalmente, se proclama como característico, especial, vocacionado para encontrar mercados em que o dinheiro não falta. Hoje já será tarde, pelo que não é compreensível a arenga dos herdeiros de quem, durante meio século, promoveu e acelerou esta autêntica eutanásia, contra a nossa vontade.
Mesmo assim, o sector ainda não morreu e pode ter hipóteses de recuperação, se a missão tiver em conta que há complementaridades virtuosas. De facto, apesar de tantas decisões contra o nordeste transmontano, houve quem lutasse para que aqui se instalassem indústrias, que continuam a ampliar a sua actividade e a ocupar mão-de-obra qualificada.
Esse poderá ser o caminho: conjugar apostas na indústria tecnologicamente apoiada, com renovadas iniciativas no sector agro-industrial e no turismo. Para isso bastará que não nos armem a teia das influências nefastas e deixem que as iniciativas façam o seu caminho, sem escolhos nem armadilhas.
A missão será bem vinda se estiver disponível para reconhecer o que é fundamental e não vier destinada a impor-nos, embora com falinhas mansas, a resignação, que rejeitaremos enquanto nos restarem forças.

Por Teófilo Vaz