Isto não está fácil

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Seg, 16/03/2020 - 23:09


Já tínhamos ouvido, mas até ao entardecer da passada sexta-feira, dia 13, ainda se vivia uma aparente normalidade, com mais atenção às proximidades, à higiene das mãos, aos juntouros numerosos, enquanto as prateleiras dos supermercados deixavam perceber comportamentos marcados pela ansiedade, pela angústia contida, mas também pelo egoísmo gebo, que se rebola aos ritmos da matraca diabólica.
Pelos vistos, estamos a passar pela verdadeira quaresma, que nos habituámos a suavizar, porque tínhamos a certeza que todas as primaveras floririam, num tranquilo processo de renovação, seguindo o curso natural da vida.
Sabíamos que houvera tragédias cíclicas a varrer a história, mas queríamos acreditar que na nossa idade nunca as coisas seriam comparáveis às pragas, pestes e outras hecatombes que ficaram registadas pelo caminho da humanidade.
A serenidade é fundamental para lidar com o momento que se vive no país e no mundo, mas tão ou mais importante é que a informação seja fidedigna, que contextualize e esclareça, de modo a ser racionalmente entendida, o que não passa pela insistência na tragédia particular, mas pela difusão de informação mais racional e sustentada.
Valeria a pena que os responsáveis políticos dessem sinais claros de que estão a compreender o processo e a agir com firmeza, ao contrário de deixarem entender que se vão tomando medidas ao sabor das surpresas: as pessoas estranham, naturalmente, que haja medidas anunciadas para dali a dois ou três dias, conduzindo à desorientação e ao descrédito, com consequências graves na atitude de cada um e reflexos negativos para todos.
Por outro lado, anunciar medidas que pouco depois é preciso corrigir, adaptar, reinterpretar, deixa a sensação de que a autoridade democrática está ela própria marcada por indefinições e sujeita a ser posta em causa a qualquer momento.
Apesar de tudo, sente-se uma vontade generalizada de cumprir conselhos e determinações que poderão conduzir a bons resultados, como tem sido o caso da contenção de movimentos, do ficar por casa, do respeito pelas medidas de acesso aos locais de abastecimento e da vontade de continuar a trabalhar para que a situação não se torne ainda pior, porque, seja como for, certamente o mundo não vai acabar, como não acabou no séc. XIV, há cerca de cem anos, nem no fim da década de cinquenta do século passado, quando o país também passou por um episódio com algumas semelhanças com o que estamos a viver.
Reconhecer que se trata de uma provação é elementar. Encará-la com inteligência é um dever. Assumir as responsabilidades que cabem a cada um para que não sejamos todos prejudicados é um imperativo que não pode ser posto em causa por caprichos, vaidades, egoísmos malévolos ou tresloucados e displicências a raiar o comportamento criminoso.
Ao que sabemos, trata-se de um agente altamente contagioso, mas cujos efeitos podem não ser demolidores de forma generalizada. Atenção aos que mais precisam, disciplina individual e solidariedade podem ser os instrumentos que permitam viver uma primavera de alegria.