Ter, 14/03/2017 - 09:59
Há menos de trinta anos lamentava-se, por estas terras, a condição de centenas ou milhares de crianças e jovens que tinham que percorrer quilómetros a pé, até às estradas nacionais, para apanhar autocarros madrugadores que os levavam às sedes de concelho, para aí frequentarem as escolas preparatórias e secundárias.
Doloridos, muitas vezes enregelados, haviam, no entanto, atingido condição bem melhor do que a dos pais e avós, que foram vendo o ensino liceal ou técnico por um canudo, enquanto o país se arrastava no subdesenvolvimento.
Esse fora o tempo em que a generalidade das aldeias nem acesso por estrada tinham, quanto mais transportes. Mas, pela década de oitenta, rompimentos e estreitas faixas de asfalto pareceram trazer outro destino. No entanto, já se pressentia que, por esses caminhos, poucos ou nenhuns transportes públicos viriam a circular.
De facto, logo pelo fim de 1974 a região viu desaparecer uma das transportadoras de passageiros, enquanto as que permaneceram iniciaram processos de desactivação de linhas e de redução das frequências. Ao mesmo tempo, as povoações foram conhecendo verdadeiras sangrias de gente, o que contribuiu para que se fossem encontrando mais justificações para reduzir ou mesmo extinguir os transportes.
Há quinze anos, um secretário de Estado prometeu estudos e soluções para a mobilidade, adaptadas, dizia-se, às necessidades básicas. Na verdade, o que foi acontecendo foi o desprezo por cidadãos envelhecidos, cada vez mais isolados, apesar de uma rede viária como nunca antes o território conhecera.
Agora, depois de nova legislação que, em nome de uma pretensa descentralização, atribui responsabilidades aos municípios e às CIM’s, anuncia-se, no território de nove concelhos do distrito de Bragança, uma solução de mobilidade para funcionar em 2020. Ver-se-á se ainda haverá quem se desloque ou se a rede de asfalto ficará para arqueólogos do terceiro milénio produzirem ciência sobre a asfixia de um território raiz, que não chegou à flor.
A novíssima descentralização tem outras facetas, que se traduzirão em claro prejuízo para as populações da região. Não devemos esquecer o que aconteceu com a rede de pousadas nacionais, de que foram excluídas as duas do distrito de Bragança; não podemos deixar de denunciar o que tem sido a leveza das decisões sobre as estruturas da saúde, a caminho da generalizada assistência virtual. Acresce agora que até um museu que, durante um século, foi referência da região no todo nacional, poderá ser descartado pelo Estado, com consequências nocivas para a atractividade cultural do território.
Assim, só podemos considerar que esta descentralização não passa de um presente envenenado, um verdadeiro golpe final, de uma misericórdia escarninha, rubicunda de satisfação. Tudo isto enquanto pelas capitais, depois de um investimento massivo de todo o país numa rede de transportes confortável, rápida e segura, metro, barcos, comboios suburbanos incluídos, o município lisboeta se prepara para explorar as infraestruturas, propagandeando uma ilusória modernização do país e pressionando para o lançamento de mais uma ponte para o novo aeroporto na margem sul.
Provavelmente quando entrarmos na terceira década deste século já ninguém se importará que por aqui só restem esfíngicos montes, indiferentes às ruínas que serão memórias dolorosas para todo o sempre.
Por Teófilo Vaz