Da França, do medo e da coragem

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Ter, 25/04/2017 - 05:23


De uma voragem avassaladora cremos ter encontrado refúgio na França, no domingo, ao cair do sol, com promessa de noite de esperança festiva, provavelmente de alegria sem freio, como se, mais uma vez, a madrugada já não escondesse ameaças ao futuro.
É como se alguém nos tivesse arrebatado das garras de um monstro terrível, que ameaçava dilacerar-nos o corpo e deixar-nos a alma em frangalhos, sem norte, à mercê do eterno esquecimento, o pior de todos os infernos.
Que não seja ledo e breve este contentamento é o que imploramos ainda. Afinal, sabemos que não haverá nunca paraísos na terra, porque a nossa condição não é a que reconhecemos aos nossos deuses, maiores ou menores, sempre expressão das ilusões, mas também das ansiedades e angústias que tomaram conta da humanidade há milénios.
Estamos num tempo em que a virtude primeira é a coragem para resistir. Guardemos de Sísifo a determinação de retomar sempre a tarefa, aparentemente insana, de subir ao cume carregando a pedra do destino, sabendo que ela voltará a rebolar para o fundo do desespero. Pode ser que em vez de nós, desista a montanha, perante tanta passagem do testemunho e ânimo renovado de gerações futuras.
Isso mesmo nos sopra Clio, a deusa da História, de olhar sereno sobre as misérias em que nos vamos consumindo nesta aurora plúmbea do novo milénio, porque por águas revoltas e mares de tranquilidade já ela viu passar, vezes sem conta, a vida terrena.
Têm sido inquietantes os sinais. No entanto, a velha França ainda poderá encontrar o caminho da dignidade, que será um alento vital para enfrentar o que aí vem, em torrente, e a que teremos de resistir. Ou então deveremos preparar-nos para noites de facas longas sem fim.
A Europa unida é um sonho que ainda não morreu, apesar de todos os profetas da desgraça, que se deleitam com a perdição, numa vertigem de sangue e morte, o seu único fito de vida mesquinha, a perorar pelo fim do mundo.
Para além de um sonho é uma construção que não pode ser abandonada aos caprichos de políticos sem estatura, cultores da vã glória da fama imediata que, mais cedo ou mais tarde, conhecerão o destino que lhes cabe. Infelizmente, podem deixar marcas de dor e tragédia que, de boa vontade, dispensávamos.
O nosso país e esta terra não podem alhear-se de um destino que será comum, para o bem e para o mal.
Hoje passam 43 anos sobre o acto de ruptura com um regime político que, reconhecidamente, nos manteve num charco de resignação com a má-sorte.
O tempo decorrido permitiu perceber que, depois dos entusiasmos e das ilusões, se reinstalaram o oportunismo, a corrupção, a venalidade e mesmo a simples rapacidade boçal. Nada que não fosse conhecido nos mais de oito séculos de Portugal.
Por isso, sem dramas, sem renúncias tolas, haverá que participar na identificação de um caminho que, para além dos frenesins e da histeria, nos leve a participar de forma decidida na construção de amanhãs mais tranquilos para nós, para a Europa e para o mundo.

Por Teófilo Vaz