Cem anos depois…o mundo pouco mudou

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Ter, 29/08/2017 - 16:47


Veio, finalmente, a chuva, qual bênção a refrescar-nos do fogo já quotidiano, desde o fim da Primavera. Mas chover nos últimos dias de Agosto é, normalmente, uma chatice, porque nos estraga a festa, a praia, o festival ou, simplesmente, o prazer da esplanada donde olhamos de soslaio para Setembro.
Entre o alívio do fogo apagado e a morrinha que a chuva que dure mais de meia hora sempre provoca, fica-se com a estranha sensação de que, apesar da panóplia de meios, métodos, técnicas, tecnologias, ciências puras ou aplicadas, políticas ou politiquices, a nossa condição permanece mais dependente das condições que a natureza nos impõe, do que da nossa vontade, ou da nossa preguiça povoada de ilusões. Também a construção política nos deixa a mesma lição.
Estamos em 2017 e, se olharmos para o que se passava neste mundo há cem anos, em 1917, podemos encontrar motivos de reflexão, ao constatarmos que, apesar de todas as aparências, expectativas, convicções e vaidades, não estamos na ombreira do admirável mundo novo.
Pelo contrário, revelhos medos, milenares ameaças, feras propensões continuam a tomar conta dos nossos dias, mesmo que gastemos energias a pretender negá-los, num exercício que nos torna miseráveis e espantadas vítimas do absurdo.
Há cem anos algumas figuras europeias haviam lançado, por entre champagne, caviar e volúpia, o mundo num jogo de guerra sem precedentes, que semeara a terra de cadáveres e as almas de rancores. Portugal era então um país empobrecido, radicalizado, dependente da mão “protectora” do aliado de mais de meio milénio, que nos impusera 1640, o tratado Methuen, as guerras contra Napoleão, o abandono do mapa cor-de-rosa e nos levara milhares de soldados, quase maltrapilhos, para os teatros de operações da Europa Central.
Na Rússia assistia-se ao sucesso de um golpe oportunista, que instalou no poder, por mais de sete décadas, o bolchevismo, promessa de mudança para todo o sempre que, afinal, se traduziu em novas experiências dolorosas, com armas a cantar a morte por todos os continentes. Herdeiros mais ou menos fiéis continuam hoje ululando aqui e ali, a anunciar mais sangue suor e lágrimas para quem continue a alimentar o sonho da verdadeira democracia.
Ao contrário do que se esperava, um século depois o mundo que se reclama democrático ainda permite a ascensão ao poder de figuras que ou são a expressão da tibieza ou emergiram da obscuridade onde engordam o oportunismo, a corrupção, a voracidade e desrespeito pelos outros, justificando todas as críticas duras que se podem fazer à democracia.
Com a sua prosápia ridícula não são diferentes, serão provavelmente piores do que os protagonistas de há cem anos. Já não estávamos habituados a olhar para a realidade política como o palco de caprichosas evoluções de mostrengos. Mas, na verdade, somos todos os que nos reclamamos da liberdade, da cidadania e dos direitos inalienáveis que, por omissão, cobardia e venalidade permitimos que a tragédia nos possa surpreender na próxima esquina do tempo.