Antes que caia o castelo

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Ter, 09/08/2016 - 10:51


Quem chegar hoje ao castelo de Bragança pode ficar com a sensação de que aquele exemplar único da arquitectura militar, um dos mais belos castelos do país, está em risco de derrocada, o que seria o sétimo selo do nosso destino.O turismo é sempre apresentado como um sector a explorar, um dos suportes do futuro económico do nordeste transmontano. As potencialidades são evidentes, nas diversas vertentes que a indústria do lazer e do enriquecimento cultural pode proporcionar.

Mas, duma vez por todas, é preciso que os que vão (vamos) botando sentença sobre o que deve ser feito, percebam que o turismo a sério pressupõe gente, ocupação activa dos territórios, manutenção das actividades produtivas e, naturalmente, a preservação do património cultural e arquitectónico.

De outra maneira, só poderemos tentar vender a geografia das ruínas, o que terá um público interessado, mas sem os efeitos esperáveis no funcionamento da economia a longo prazo. Na verdade, o turismo tem que ser uma aposta sem hesitações. Não podemos continuar a deixar-nos levar por promessas para o dia de São Nunca, à noite…, disse à noite, de propósito, porque é o tempo em que todos os gatos são pardos e, quando acordarmos, estaremos confrontados com o ermamento(1) sem retorno.

Sabemos que há quem procure a nossa terra para sentir a relação autêntica com a natureza, impossível na maior parte das concentrações urbanas deste mundo, para conhecer sabores além de todos os “plásticos” enfarta brutos, para sentir o pulsar telúrico e as vibrações da festa germinal.

Não temos, assim, que nos render à imitação da vulgaridade. Pelo contrário, precisamos de valorizar o que nos caracteriza e, para isso, não podemos deixar que tudo se dilua na sopa insonsa da globalização.

É urgente a concepção e divulgação de percursos que tragam os visitantes ao contacto com a gastronomia, a etnografia, a música, as práticas da religiosidade e, claro, as grandes marcas do património histórico. Aqui são decisivos os castelos da região, que constituem uma cintura defensiva historicamente marcante, à volta dos quais se desenvolveram importantes núcleos populacionais, que integraram actividades humanas e organizaram o território. É lamentável que ainda não se tenha avançado nesse sentido.

Mais lamentável ainda é que o grande castelo de referência da região, visitado anualmente por dezenas de milhares de turistas, num fluxo que tem crescido significativamente, não mereça a necessária atenção das entidades responsáveis ao nível nacional, permitindo, alegremente, que panos de muralha estejam em degradação acentuada, com múltiplas pedras a desprender-se, o que põe mesmo em causa a segurança de quem por ali circula.

De facto, em múltiplos pontos da estrutura são visíveis pedras com mobilidade, simplesmente desaparecidas ou espalhadas nas imediações, o que constituiu expressão de inadmissível incúria, ao ponto de o presidente da junta de freguesia ter decidido, por conta própria, mandar recolocar os elementos, naturalmente sem o acompanhamento técnico adequado.

Ainda pior: contactados os organismos competentes, ficámos em branco, melhor, no escuro, porque está tudo de férias e incontactável, remetendo-nos para a sua rentrée. Não há nenhuma razão para este descaso e esta displicência relativamente a um monumento nacional, restaurado há 52 anos. Deixar que isto aconteça ao castelo de Bragança é a expressão simples de que, também nós, que temos como referência as suas muralhas, não iremos longe, pelo menos por vontade dos que mandam.

   A não ser que não continuemos mudos, quedos e resignados.

 

1 – Conceito divulgado por Virgínia Rau, historiadora, para designar o abandono do território no tempo das investidas muçulmanas e contra investidas cristãs, entre os séculos VIII e XII.