VIRA MAL AIO

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O Chef com o toque enterrado até às orelhas, de olhos saltitões e sorriso mofino, acabava de colocar a comida na travessa, chegava ao guichet da cozinha fazia-a deslizar na pedra de mármore e gritava: vira malaio! A Amelinha ficava irritada, mormente no serviço de jantar pois o chefe da cozinha do restaurante Machado-Cura nessa altura carregava nos decibéis tanto quanto Catarina Martins carregou na última campanha eleitoral a gritar lobo, lobo! A senhora tal como Pedro tramou-se e tramou a maioria dos funcionários do BE pois a gritaria levou os envernizados betinhos de esquerda a abrigarem-se no guarda-sol socialista. O Chef, minhoto de Bra- ga, gostava de reconfortar o palato e a garganta com amiudados goles de tinto, quando entendia cozinhava primorosamente batendo aos pontos os cozinheiros da concorrência culinária – Moderno, Poças e Pousada –, as restantes casas de comeres não suportavam os custos de um cozinheiro em exclusividade de funções. O Vira Malaio fumava enquanto cirandava entre tachos e panelas, no entanto, não constou ter sido encontrada uma pirisca no arroz, cousa comentada acidamente nos cafés da cidade. Os cozinheiros vindos de fora eram brindados com sorrisos depreciativos das Mestras de um cozinha tradicional/regional apurada, bem calibrada dentro do cânone – farta, forte, fechada –, em si mesma, a grande excepção era o colorau picante vindo do outro lado da fronteira. Mesmo os famosos ervanços (grão-de-bico) samoranos eram objecto de purulentos comentários dos taberneiros e proprietários, de calças vincadas, dos ditos restaurantes do burgo, especialistas na diferenciação de alheiras e tabafeias. Não por acaso o SNI publicou em página de grafismo cativante a lista das mais relevantes composições culinárias de Bragança que os Vira Malaios se esforçavam em aprender, pois rodriguinhos gastronómicos mereciam a mesma atenção concedida ao enchido de sobras do porco, que os rapazes da Lombada chamavam Buitielo ,que o antropólogo Ernesto Veiga de Oliveira estudou durante muito tempo. Hoje, o enchido ganhou esporas de cavaleiro e cavalga/surfa a onda da «modernidade» deixando os amigos dos salpicões muito felizes. Pudera! Aproxima-se o tempo sazonal das matanças, dos enchidos de massa, de sangue (também ex- travagantes composições lapuzes) e de carne. Ao contrário do que bonifrates e mouriscas dizem e escrevem os comeres da Terra Fria estão a perder soberania, estatuto e rigor. Aqui deixo o alerta às Confrarias de Bragança, ao Óscar Gonçalves e seus camaradas de profissão, ao perspicaz Alberto Fernandes, a todos quantos admiram a genuinidade ancestral tão bem expos- ta por Mestre Gil a ver para entender. Anda por aí muita gente a escrever sem consultar e ouvir as fontes primárias porque dá muito trabalho, desconhecem quanto penou o pai do Teatro Português para registar pómulos obscuros, autênticos nós-cegos da então dieta alimentar dos pobres, pobres de pedir enjeitados de tudo por todos. Esperemos que esses sinistros exemplos não voltem!

Armando Fernandes