O conceituado biógrafo e crítico literário italiano Pietro Citati afirmou “que não há nenhum autor jovem que lhe interesse”, acrescentando “Umberto Eco não era u, bom escritor”. O famoso polemista acentua a minha opinião acerca da multiplicação não dos eixes, sim no milagre do aparecimento de um escritor na mão e contramão, na berma, no passeio, em tudo quanto é sítio lembrando-me o fenómeno ocorrido há anos na bela cidade de Cartagena das Índias (Colômbia), os habitantes dessa fulgurosa cidade quando se apresentavam uns aos outros tiravam (rapavam) do bolso do casaco um livro e em vez do nome diziam: Me Lê.
Tudo isto vem a propósito dado o olhar arguto do meu velho amigo e vizinho Casimiro Pires, livreiro empenhado na divulgação e enaltecimento dos Escritores e escritores transmontanos, pois vendo-me balbuciar o passeio rente à livraria apoiado num cajado elegante (sequelas de uma substituição de peça no coração) clamou o meu nome. Alegremente o balouço entre os pés aquietou-se. Retrocedi.
O Casimiro apresentou-me na categoria de escritor a um senhor também escritor. Em uníssono negámos a condição, os astros invisíveis ante a luminosidade do sol-frio impeliram-me a recordar os prolíferos colombianos atirando de escantilhão o fato de no Nordeste os escritores serem numerosos, todavia ter a impressão do número de Escritores ser muito, muito menor.
O Casimiro tem o condão de puxar palavras ao modo da galinha puxar grãos de milho perfurados por uma linha terminando asfixiado ao ficar engrolado para alegria dos estudantes (e não só) pilharem guloso alimento nas vésperas do 1º de Dezembro, os donos ficavam furiosos, ao contrário preferi entrar na geringonça falada e não tardei a defender a leitura e estudo da obra Cinco Lições de Literatura de Nabokov como fundamental no ensino dos aspirantes a escritores, já no que tange a Escritores o bico-de-obra é bem mais afiado, podem-se gastar as palavras de centos de livros na ânsia de os desejosos lá chegarem, no entanto, se o talento morar noutro cérebro nunca o vão conseguir. Oficina sim, muita oficina, escassez de qualidade obra atamancada.
Sobram «pintores de papel», faltam Escritores, porque durante dezenas de anos trabalhei e privei com Contistas, Filósofos, Novelistas, Poetas de elevada qualidade aprendi a respeitar o vocábulo Escritor, por isso mesmo não corro o risco de receber uma resposta do género da repassada de ironia dada por Apeles a um crítico armado em esteta. Falando de críticos, dos mais incisivos aos mais moderados nunca esquecerei a argúcia de David Mourão-Ferreira, a racionalidade de Guilherme de Castilho, o fio-de-prumo nas observações de Álvaro Salema, da bondade Matilde Rosa Araújo, o britânico humor de José Palla e Carmo, a operatividade de Álvaro Manuel Machado, a acutilância de Victor Silva Tavares, entre outos membros das Comissões de Apreciação de Livros do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, cuja história continua por fazer apesar de terem surgido teses e trabalhos claramente parcelares e ignorantes.
O frio cortante não cortou a vontade de conversar (e estava apressado), fiquei a saber da eleição dos corpos gerentes da Academia de Letras de Trás-os-Montes, à qual concorreram duas listas, esta Academia fruto da perseverança de António Jorge Nunes pode ser um instrumento de grande valia cultural, veremos se o consegue ou pelo contrário resvala na cova das vaidades a dela saírem egos envernizados e livros tediosos antes de serem colocados na montra da antiga Livraria Silva, em boa hora recuperada pela transpiração e inspiração do Casimiro.
Por todas as razões gosto de livros, logo de leituras, dos livros recebo consolação ao modo de o notável homem de cultura Boécio recebeu da filosofia, gosto de abrir os livros e ler páginas a esmo imitando o Novelista duriense Domingos Monteiro, o autor de Histórias Castelhanas fazia-o e de imediato emitia opinião – vale ou não a pena ler – raramente se enganava fazendo espirrar os considerados críticos autores de milhares de fichas de leitura do Serviço da itinerância cultural.
No século passado perguntava-se a Beltrano e a Sicrano que livros levavam na saca de viagem caso fossem depositados numa ilha deserta, num exercício de mimetismo elaborei listas intermináveis. A meio do ciclo do Outono da Vida a lista é bem mais reduzida, dos estrangeiros de obra publicada no século XX, Cabrera Infante,
Guimarães Rosa, Herman Broch, Musil, Nabokov, Ezra Pound, T.S. Elliot, e Ungaretti, dos portugueses do mesmo século levaria Raul Brandão, Aquilino, Vitorino Nemésio, Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena, Herberto e Fiama. O seio memorialístico guarda centos deles, a nata é a acima referida.
Em matéria de gostos gastronómicos alguns romanos disseram nada estar escrito, no tocante a Escritores e escritores afino pela mesma diapasão, se assim não fosse como compreender o êxito de relâmpago traduzido na venda milhões de exemplares de autores caídos no olvido ainda a fazerem prova de vida, ao contrário ficaram os criadores de obras-primas a ultrapassarem os milénios continuando a suscitar entusiasmos consoladores dos espíritos. São Mestres dos que sabem disse-me um dia intuitivo pensador português.
Armando Fernandes
PS. O livreiro Domingos da Silva era um homem faceto, reviralhista q.b., dava-se bem com o clero, o Padre Doutor Videira Pires frequentava e perorava na Livraria que frequentava nos fins de tarde.
Escritores e escritores
Armando Fernandes