Gostaria de levar o litor mais antigo a regressar à palavra cuadas para além da óbvia figuração das nádegas, sim da sua representação de acto de economia doméstica, e o leitor moderno, de idade até aos trinta anos, na fixação de um tempo que queremos ultrapassado, de modo a o conduzir a indagações acerca de quão difícil foi o viver dos seus ancestrais.
Gostaria ainda de estabelecer um paralelo entre a concordância no emprego do remendo até à quase finitude do século passado, e a discordância galhofeira (pelo menos) nos dias de hoje. Vamos ver se o consigo, de uma forma ou outra, se conseguir suscitar o interesse de quem me lê, mesmo que só um leitor, dou por bem empregue a energia despendida na confecção da presente crónica.
O leitor antigo recorda-se das brincadeiras deslizantes dos catraios e dos gandulos nas superfícies lisas e inclinadas, umas vezes as calças ou calções não dispunham de protecção alguma, outras vezes serapilheiras e borcados de cartão serviam para esse efeito, no entanto, o uso e abuso da modalidade escorrega levava ao enfraquecer do tecido protector do posterior. Podendo parecer estapafúrdio trazer à colação um Senhor de apelido Escorrega (veio do Baixo Alentejo para Bragança, trabalhar no falecido banco BNU) não deixa de ser significativo o referido apelido, embora no Alentejo proliferem apelidos esquisitos.
A maioria das famílias dispunha de recursos limitados, o constante exercício do escorregar aliado ao crescimento dos atletas resultava no esgaçar dos tecidos obrigando ao recurso às cuadas pois a nua exibição das partes pudendas ofendia o decoro e riscava a moral pública. Não era raro ver meninos de tenra idade a usarem calções rachados de forma a facilitarem os desejos ventrais evitando a retenção de despojos. Estes meninos caso ousassem imitar os maiores, de imediato sentiam o erro cometido ao resvalarem desprovidos de almofada.
O enfado contra as cuadas vinha à tona no salivar negações quando os forçados usufruidores alcançavam os dezasseis ou dezassete anos, se a teimosia materna continuava tudo faziam na presunção das cuadas serem tapadas, dissimuladas, recorrendo a casacos compridos, camisas de fralda de fora e artifícios quejando.
Ao leitor moderno pode causar espanto o acima escrito sobre cuadas até porque o termo apenas ciranda no amargo evocar de usanças antigas, no obstante o provável afloramento de risos escarninhos, faça o favor de estabelecer a diferença e coloque na coluna do crédito crédito o desaparecimento das cuadas que ampararam os fiós-fós de inúmeros avós de hoje que não nomearei devido a cerzidas razões.
O leitor moderno desembaraçado no desempenho de tarefas digitais, enquanto lança olhares interrogativos aos ancestrais amputa palavras, cospe interjeições e ri-se das vetustas censuras, assumindo presteza composta quando os «velhadas» gesticulam euros nas mãos.
O leitor moderno tem grossas dificuldades no dizer não aos filhos, psicólogos e psicólogas papagueiam citações e frases feitas no desejo de explicar as birras dos jequinhos contrariados evidenciando notável desconhecimento do significado paideia no tocante à educação dos pirralhos.
Admiramo-nos ante a enxurrada de episódios sórdidos, grotescos, hediondos, cometidos por adolescentes, bem melhor seria fazermos despudorado exame de consciência sobre a culpa de cada um no deixar crescer as monstruosidades.
Não defendo nem de longe, nem de perto, o sistema do pão numa mão e o pau noutra, no entanto, na hora certa uma leve palmada no traseiro do pequeno ditador é remédio eficaz.
Já escrevi o modo como lidei com um pequerrucho de uns seis anos atreito a pontapear todos quantos podia, também me tocou, atenuei o impacto do pé agressor colocando firme a sola do meu sapato provocando ricochete e queda do reizinho.
Ante os seus gritados choros de imediato a mãe apostrofou-me vociferando alarvidades invocando os direitos das crianças. Ripostei furioso, áspero: e os meus direitos a não ser maltratado? Os meus direitos a não ter de suportar os caprichos de meninos aal educados? O ambiente turvou-se, aconselhei a senhora a fazer chá e a partilhá-lo com o pontapeador. Os seus avós pediram desculpa olhando resignadamente.
Eu não me resigno correndo o risco de ensombrar relações e provocar azedume aos permissivos paizinhos especialistas no fazer todas as vontades aos tiranetes a fim de não serem incomodados. Sobram livros sobre o tema, milhares e milhares de tristes exemplos de maldade contra os possuidores de ripadas rêpas canosas atestam a multiplicação das pústulas a purgarem angústia, dor, medo e solidão. As cuadas traduziam escassez de meios, o sucesso dos telemóveis infantis representam o triunfo da tecnologia sobre as duas culturas. A cisão entre o velho e o novo é gritante no domínio das linguagens, da civilidade e etiqueta, veja-se a maneira despudorada da utilização dos aparelhos no decorrer das refeições, quantas vezes incentivada pelo mau exemplo dos pais dos pequenos ditadores. Se foi bom desaparecerem as cuadas, é benéfico educar os denominados homens de amanhã.
PS. Morreu Mário Soares. Morreu o Homem. Dele falarei.